quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Efemeridade da vida - Tempus fugit


O início de um novo ano, principalmente para aqueles que ultrapassaram a barreira dos 40 anos, imprime certa melancolia. Ela nasce de nossa completa incapacidade de gerir a vida de acordo com a passagem do tempo. Esse conceito arbitrário e abstrato, o tempo, pode ser explicado a partir do étimo: o tempus latino tem a mesma origem do verbo grego témno, cortar, fracionar...Daí sua limitação, afinal é segmento e daí nossa limitação em geri-lo. O tempo foge, "escorre pelas mãos", pois apequenado sempre é...

Horácio talvez seja o poeta, entre os romanos antigos, que mais tenha se dedicado ao tema/lugar-comum da efemeridade da vida, consciência de nossa incapacidade e fruto de nossa melancolia. Suas odes, assim como a poesia lírica como um todo, são reflexos dessa limitação humana, essencialmente humana. Não é por outro motivo que estão localizadas no universo do hic et nunc (aqui e agora).

Esse é um tópos que tem larga difusão nas práticas poéticas da Antigüidade. Já o encontramos em Homero, em Mimnerno além de outros. Porém a precisão e a delicadeza helenística de Horácio saltam aos olhos nessa ode cuja tradução segue abaixo:



IV,VII

Diffugere nives, redeunt iam gramina campis
arboribusque comae;
mutat terra vices et decrescentia ripas
flumina praetereunt;
Gratia cum Nymphis geminisque sororibus audet
ducere nuda choros.
immortalia ne speres, monet annus et almum
quae rapit hora diem.
frigora mitescunt zephyris, ver proterit aestas
interitura, simul
pomifer autumnus fruges effuderit, et mox
bruma recurrit iners.
damna tamen celeres reparant caelestia lunae;
nos ubi decidimus,
quo pius Aeneas, quo Tullus dives et Ancus,
pulvis et umbra sumus.
quis scit an adiciant hodiernae crastina summae
tempora di superi?
cuncta manus avidas fugient heredis, amico
quae dederis animo.
cum semel occideris et de te splendida Minos
fecerit arbitria,
non, Torquate, genus, non te facundia, non te
restituet pietas;
infernis neque enim tenebris Diana pudicuni
liberat Hippolytum,
nec Lethaea valet Theseus abrumpere caro
viucula Pirithoo.

4,7

Dissolveram-se neves, já vergéis retornam
Aos campos e às árvores comas;
Mudam vezes a terra e às margens tornam
Descendentes os regatos
A Graça com Ninfas e com gêmeas irmãs
Ousa nua conduzir coros.
Vida eterna não esperes, ano e hora que rapta
Dia propício advertem.
Frios abrandam com Zéfiros, verão suplanta
Vera até que morto esteja;
Logo outono pomífero trará frutos e
Reviverá inverno sem pomos.
Luas céleres recuperam celestes danos
Quando, então, nós descemos
Onde estão Enéias pai, rico Tulo, Anco
E somos pó e sombra apenas.
Quem sabe se súperos somam ao todo,
De amanhãs um intervalo?
O que terás dado com ânimo amigo,
De ávido herdeiro fugirá.
Quando tiveres morrido e Minos tiver
Feito de ti juízo notável,
Nem estirpe, Torquato, nem fluência, nem
Piedade te darão vida;
Pois nem Diana livra de atroz inferno
Seu casto Hipólito,
Nem Teseu é forte para romper oblívios
Vínculos do caro Pirítoo.

(tradução: Paulo Martins)
Em tempo: Vale lembrar que essa ode foi traduzida brilhantemente por Mário Faustino, ainda hei de postá-la. Não agora, pois o êmulo seria injusto para mim... é lógico...