domingo, 19 de setembro de 2010

Manhattan - Woody Allen

Aos 18 anos (1980), fui ao Cine Gazetinha assistir ao Manhattan de Woody Allen e, confesso, não entendi nada...
Entretanto, minha arrogância infanto-juvenil mandava-me dizer aos outros que o filme era espetacular, plástico, vivo, inteligente, sarcástico, afora meu lado pernóstico que ditava aos pobres mortais comentários igualmente pernósticos sobre as canções e trechos de peças sinfônicas de George Gershwin. Começando com Rhapsody in Blue - fabulosa composição -, perpassando canções como Someone to watch over me ( recentemente gravada por Amy Winehouse), cuja versão de Sinatra (da década de 50) ainda me parece insuperável, e terminando com um verdadeiro pontificado sobre Embraceable You, que resgata ainda hoje a minha mais tenra infância ao colo de meu pai.

Ontem, contudo, atendendo aos pedidos de Tatiana e ainda tendo na memória recente reverberações dos comentários de Paulo, meu filho mais velho, que seguindo o meu caminho de juventude põe o filme entre seus dez mais, assisti a ele novamente, 30 anos depois.
E afirmo sem medo de errar ele continua sendo inteligente, sarcástico, vibrante, vivo, plástico, enfim espetacular.
Allen põe em relevo dois amores: a cidade e o humano. O primeiro, apesar de despojado de suas cores reais, nos é apresentado plasticamente em seus tons e nuanças de cinza, reflexo de sua própria decomposição apaixonante e caótica: Manhattan. Ela, que além de ser alvo do filme, empresta-lhe o nome e também serve como palco, pano de fundo, para o desfilar de dois níveis de personagens: aquele cuja vetustez se coaduna com o espaço e aquele do qual a mocidade salta aos olhos dos espectadores. Assim, são essas personae que Woody Allen nos brinda como um de seus amores.

O protagonista Issac (Allen) vive o desconforto da maturidade estéril. Seu casamento (com Maryl Streep) acaba e ele se vê abandonado enquanto sua ex passa a viver "com outra", sem falar no livro que ela lança expondo ao público suas mazelas sexuais e comportamentais. Se isso não bastasse, passa a relacionar-se com Tracy (Mariel Hemingway), 25 anos mais nova, isso, talvez, mais uma referência à degenerescência de Issac, sob o ponto de vista burguês e puritano da sociedade nova-iorquina.
Separa-se e passa a relacionar-se com Mary (Diane Keaton), que era amante de seu amigo casado, Yale (Michael Murphy). Ela passa a ser um dos vértices do "bizarre love triangle" que se rompe quando Mary decide ficar com Yale e não com Issac que, desacorsoado, se vê impelido a retornar para Tracy, cujo amor desprezara. Ela ainda o esperava... mas estava de mudança para outra cidade, "Londres".
Entretanto, Tracy é axial. Ela traz, com sua juventude, a solução. Entre os mais velhos, e supostamente mais sábios e bem resolvidos, ela se destaca, pois é a única, que, sob os nossos olhos, age em acordo com uma "normalidade e simplicidade" desejadas. Metaforicamente Tracy é a antítese de Manhattan. Tracy é toda cor, já que ainda está longe de ser e de estar decaída, está longe de não saber viver ou amar profundamente. Sua simplicidade, por exemplo, em certo momento, é posta em contraste com os ares pseudo-intelectuais de Mary. Mais do que isso, Tracy é a complementaridade de Issac.
O enredo é espelho, portanto, do espaço. A cidade degenerada é palco para relações degeneradas e degradadas, mas a cidade e as pessoas continuam a ser sempre belas, a despeito disso. Quanto aos dramas de Issac, bem, esses só "Londres" multicolorida solucionará...