terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Propércio 1,1 - Nova tradução

I,I

Cynthia prima suis miserum me cepit ocellis,
contactum nullis ante cupidinibus.
tum mihi constantis deiecit lumina fastus
et caput impositis pressit Amor pedibus,
donec me docuit castas odisse puellas
improbus, et nullo uiuere consilio.
ei mihi, iam toto furor hic non deficit anno,
cum tamen aduersos cogor habere deos.
Milanion nullos fugiendo, Tulle, labores
saeuitiam durae contudit Iasidos.
nam modo Partheniis amens errabat in antris,
ibat et hisurtas ille uidere[1] feras;
ille etiam Hylaei percussus uulnere rami
saucius Arcadiis rupibus ingemuit.
ergo uelocem potuit domuisse puellam[2]:
tantum in amore preces et[3] benefacta ualent.
in me tardus Amor non ullas cogitat artes,
nec meminit notas, ut prius, ire uias.
at uos, deductae quibus est pellacia lunae
et labor in magicis sacra piare[4] focis,
en agedum dominae mentem convertite nostrae,
et facite illa meo palleat ore magis!
tunc ego crediderim uobis et sidera et amnis
posse Cytaeinis[5] ducere carminibus.
aut uos, qui sero lapsum reuocatis, amici,
quaerite non sani pectoris auxilia.
fortiter et ferrum saeuos patiemur et ignes,
sit modo libertas quae uelit ira loqui.
ferte per extremas gentes et ferte per undas,
qua non ulla meum femina norit iter.
uos remanete, quibus facili deus annuit aure,
sitis et in tuto semper amore pares.
nam me nostra Venus noctes exercet amaras,
et nullo uacuus tempore defit Amor.
hoc, moneo, uitate malum: sua quemque moretur
cura, neque assueto mutet amore locum[6].
quod si quis monitis tardas aduerterit auris,
heu referet quanto uerba dolore mea!

1,1


Cíntia[7], a primeira, a me capturar, infeliz, com os olhinhos;
Eu nunca antes tocado por desejos.
Então, o Amor arrebatou-me o olhar de desdém constante
E sob seus pés subjugou-me[8]
Até que cruel a mim ensinou odiar puras
Meninas e viver sem prudência.
E esse fogo em mim está já faz um ano,
Mas sou obrigado a ter os deuses contra.
Ó Tulo, Milanião, não fugindo aos trabalhos,
Venceu a maldade da dura Iáside,
Ora , tresloucado, errava em Partênias grutas
Ora provocava as feras selvagens
Então, varado por estocada da verga[9] de Hileu,
Ferido, gemeu nos rochedos da Arcádia;
Pôde, pois[10], domar a veloz menina:
Tal é o valor, no amor, de preces benfazejas.
O Amor tardio não me urde artes
Nem se lembra de seguir, como antes, seus hábitos.
E vós, que podeis enganar e fazer a lua cair,
E de quem é dever sagrar ritos em magos fogos,
Eia, mudai o coração de minha menina
E fazei-a empalidecer mais que meu rosto!
Assim acreditarei que podeis comandar
Estrelas e rios com feitiços da citana
E vós, amigos, que tarde notais a derrocada,
Procurai auxílios para meu coração enfermo
E, com força, vou suportar o ferro e o fogo cruéis
Desde que seja livre para falar irado.
Levai-me para longe[11], pelas ondas levai-me
Onde mulher alguma conheça minha via:
Vós, quem o deus atendeu com atenção[12], ficai,
Sede sempre, no amor seguro, um par.
Nossa Vênus trama contra mim amaras noites,
O Amor ocioso não me falta nunca.
Meu mal, advirto, evitai: a cada um que a sua amada
Aflija, e habituado ao amor, não o mude[13],
Se, porém, derem ouvidos moucos aos meus conselhos
Ah! Com quanta dor hão de lembrar meus versos!



Notas


[1] uidere tem aqui um significado específico de provocar, arrostar como em Virg., A., 4, 134 e 3,431. O infinitivo de resultado ou de conseqüência com verbos de movimento.
[2] uelox puella: epíteto de Atalanta. Cf. Cat., 2.,12-14.
[3] preces et benefacta: Allen, A., Glotta, 60, 1982 e Yardley, J.C., Maia, 31, 1979. Trataram do “et” como sendo epexegético, ou seja, preces et benefacta é uma hendíadis: preces benfazejas.
[4] sacra piare: Sandbach, F.H., CR,52, 1938 propõe sacra piare tem o mesmo sentido de sacrum expiare em Cic., De Leg., 2,21., isto é, “consagrar altares”.
[5] cytaeinis ou cytaeines: F e B. C; Go e Gi: cytinaeis. P: cytaines. Relativo a Citáia, cidade da Cólquida, no caso: cidade de Medeia. Cf. 2,4,7; 1,5,6 et 1,12,10. Cf. Magueijo, C., Euphrosyne, 4. 1970. Comenta acerca da tradição dos manuscritos no que diz respeito ao termo. Licofron, Alexandra, 1389.
[6] locum: P; C e F. torum: G e Gi.
[7] Todas as palavras em itálico estão nos índices de referência mitológica, onomástica ou toponímica.
[8] Não traduzi caput, literalmente. Proponho a tradução da sinédoque de parte pelo todo, portanto o termo “me” corresponde ao termo “cabeça” do original.
[9] O sentido do verso é seguramente erótico, entretanto, por respeito ao gênero e, portanto, à sua elocução, mantenho a polissemia. Percussus tem sentido de perpassar, isto é, varar. Pode-se-ia ler, também uulnus, -eris não como agente da passiva por golpe, mas como um adjunto adverbial de lugar [in] uulnere, daí o sentido de orifício, buraco e, ainda, ramus, não simples clava ou ramo, mas, como atesta LS: membro viril para a mesma passagem e OLD: pênis.
[10] Segundo M, o conectivo conclusivo liga-se ao plano ou ideia de Milanião e não com suas ações contretas, já que, se fosse assim pensado, estaria estabelecida a contradição.
[11] Suponho no termo longe, extremas gentes: povos longínquos.
[12] facili auri = ouvidos propícios. Os deuses, quando atendem aos reclamos mortais, têm ouvidos propícios, portanto parece-me boa solução ouvir com atenção.
[13] Literalmente: “acostumado com o amor, não mude de lugar”. Entendo que o referente de locum aqui é amor, de sorte que a alteração do lugar em que se ama é a alteração do objeto amado. Se imaginarmos que a outra solução de edição para locum é torum, minha suposição também vale, já que o torum é onde se materializa o amor.