Paulo Martins
As eleições presidenciais
deste ano, ainda que possam rivalizar com a disputa de 1989 entre Collor e
Lula, distanciam-se das demais por se caracterizar como sendo o palco da política
do “anti” e da negação. Tal fato, parece-nos, retira o caráter optativo e positivo
do pleito, dando azo a uma disputa exclusivamente emocional que desconsidera
efetivas propostas de governo dos candidatos Haddad e Bolsonaro.
A emocionalidade, que ocupa o lugar da razão diante de propostas
de governo num momento de decisão, afasta o eleitor de discussões sobre o
posicionamento dos candidatos sobre assuntos fulcrais do aparelho de Estado que
estão diretamente ligados às vidas das pessoas. Assim, os candidatos e os
eleitores hoje deveriam estar debatendo: políticas afirmativas que raparam
danos históricos contra mulheres e minorias; direitos trabalhistas conquistados
como 13º salário e férias remuneradas; programas de renda mínima implementados
em vários lugares do mundo que dão conta da diminuição da desigualdade social;
modelos previdenciários que não firam direitos; educação e saúde públicas de
qualidade que afastam nossos jovens da delinquência e, por fim, um modelo de segurança
pública democrática que torna as polícias em parceiras da população e não em seu
algoz. Essas sim, questões que vão além do sim ou do não e que merecem reflexão
de todos antes do dia 28 de outubro.
Na verdade, a carga emocional da campanha é algo que foi
gestado, ainda que não de forma intencional, durante alguns anos na rede
mundial de computadores e também na grande mídia, ainda que seu palco preferencial
tenham sido as mídias sociais, que acobertaram detratores e mitigaram o desejo
de exposição de ideias dos eleitores, por uma questão de autopreservação moral
e, às vezes, até física. Tais meios de comunicação trazem a lume o ódio e o
preconceito. O rancor é o seu alimento, expresso com toda força do páthos e da insensatez.
Essa passionalidade parece estar no cerne de outras
eleições e plebiscitos mundo a fora como foram os casos da eleição de Trump nos
EUA e do plebiscito do Brexit no Reino Unido. No Brasil, o apego emocional,
parece-nos, está centrado no antipetismo e no antilulismo que obturam as
discussões de fundo, de ideias. Não se discute propostas, apenas rechaça-se quem
não se quer eleger, ainda que o resultado dessa negação possa ferir seus
anseios, desejos e convicções, como que construindo uma servidão voluntária a
um carisma político sem conteúdo.
Pensemos. 20% do eleitorado brasileiro jamais se alinhou
ou votou no PT ou em Lula. Portanto, seu discurso sempre foi antipetista e
antilulista. Não é para menos que no final de seu segundo mandato Lula tenha obtido
aproximadamente 80% de aprovação, descartando-se, pois, esses mesmos 20% refratários.
Ocorre, entretanto, que, por motivos de ordem variada, o antipetismo, não sem
motivo, ampliou-se e expandiu-se para além da direita tradicional chegando ao
centro e até à esquerda mais radical, corroendo o capital político de Lula na
ordem de 14 milhões de votos a menor aproximadamente.
Num primeiro momento as causas de corrosão eleitoral
fundavam-se em Dirceu e em sua sanha pelo poder com mensalão. Podemos localizar
aí uma primeira diáspora de votos mesmo que não tão sensível, haja vista a
reeleição de Lula. Num segundo momento, a ineficiência de Dilma, sob a
perspectiva política e administrativo-financeira, acabou por produzir efeitos
nefastos na economia, punindo justamente camadas que haviam sido incluídas no
consumo com os dois governos anteriores. Por fim, a degradação da estrutura de
Estado, catalisada pelo desvelamento de um esquema endêmico de corrupção,
acabou por catapultar a rejeição fundada no antipetismo. Essa crítica que acabo
de fazer está ainda por ser feita sob uma autocrítica do PT denunciada por
Marina Silva em pleno debate eleitoral no primeiro turno.
Mas são o segundo e o terceiro movimento de votos
perdidos pelo PT, advindos da ineficiência de Dilma e da lava jato, os que afastaram
o PT do centro social-democrata, de boa parcela da esquerda e mesmo de um contingente
eleitoral claramente não tão politizado, efetivando curiosamente a construção de
uma malha de apoios muito diferente ao de 1989, quando Covas apoia
imediatamente Lula e todas as esquerdas sem exceção.
Pois bem, o PT e a decepção desses 14 milhões de
eleitores – boa parte cegos autômatos da rede – que se unem à desinformação,
parcela significativa da grande mídia que aposta na demonização do PT –
propositadamente esquecendo-se de sua banda limpa – e, por fim, a naturalização
das fake news no rastro nefando de Stephen Kevin Bannon e da Cambridge Analytica nos solidificaram nessa aporia e nessa desqualificação de
discurso a que se resumiu a campanha eleitoral até aqui e que nos posicionaram
nesse triste e desconcertante momento da História do Brasil em que a política
do “anti” se sobrepõe a do “sim” e a da afirmação de propósitos.
Se nada for feito – inclusive autocríticas são essenciais
– ao que tudo indica, nas próximas semanas, o Brasil, automatamente, com a
força de um tsunami, terá eleito o político mais despreparado e mal-intencionado,
tendo em vista os valores democráticos, da história republicana.
Urge,
portanto, a revisão dos votos nulos e brancos e a conscientização das efetivas
propostas para os próximos 4 anos, tendo sido resguardados os princípios éticos
e morais, democráticos e republicanos, que converta esse clima de ódio num
clima de harmonia e trabalho para todos e todas. Excluindo-se, portanto, os
flertes com a homofobia, com a misoginia, com a ditadura e com o preconceito
racial.