domingo, 26 de julho de 2009

Quintiliano 10, 93 - Uma pequena nota para a Sátira

Tradução de Paulo Martins


Em verdade a sátira é toda nossa na qual o primeiro que conquistou célebre renome foi Lucílio e de tal forma ele teve alguns aficionados devotados que esses não vacilaram preferi-lo não só aos autores de mesmo gênero, mas também a toda sorte de poetas. Eu mesmo dissinto tanto desses quanto de Horácio que julgava Lucílio fluir lamoso[1] e possuir algo que se poderia retirar. Com efeito, nele tanto a erudição quanto a liberdade são extraordinárias donde vêm a sua acidez e a sua mordacidade. Horácio, por seu turno, é muito mais elegante e puro e, o primeiro, a não ser o seu trabalho tem minha afeição. Pérsio granjeou muita e verdadeira fama apesar de ter um só livro.


[1] A idéia de ser lamacento pode significar algo pela forma e algo pelo conteúdo da sátira que Lucílio escreve, assim o termo lamoso, em latim lutulentus é polissêmico. No primeiro caso, o verso seria arrastado, pesado; no segundo, seu verso, por ser satírico, é torpe, é sujo, é lamoso. Segundo João Angelo Oliva Neto a tópica do “rio caudaloso e/ou lamacento” é calimaqueana e diz respeito a gêneros poéticos cujo tema é denso, pesado, grave, ou mesmo, arrastado e se contrapõe às nascentes límpidas, fontes fluidas, leves, suaves que correspondem aos gêneros valorizados por Calímaco de Cirene e todos os poetas romanos de instrução neotérica.

Propércio 2,26A

Tradução Paulo Martins



Em sonhos eu te vi, vida minha, tendo a nau naufragado,
Que nadavas já com as mãos cansadas no Mar Jônio
E que confessavas que tinhas mentido a mim tudo aquilo.
E já não mais podias levantar os cabelos pesados d’água,
Como a agitada Hele por ondas púrpuras,
Ela que carregou o áureo carneiro no suave colo.
Como temi que o forte mar tivesse teu nome,
E o nauta te chorasse, deslizando por tuas águas!
Quais votos fiz, então, a Netuno; quais , então, com seu irmão Cástor,
Quais a ti, agora deusa, Leocótoe.
Mas tu, a custo, erguendo da profundeza as pontas das mãos,
Amiúde meu nome agora chamas a morrer.
Se, pois, Glauco visse teus olhinhos, por acaso,
A menina tu te tornarias do Mar Jônio.
E as Nereidas iriam te censurar por causa da inveja,
A alva Neseia e a cerúlea Cimotóe.
Mas vi um golfinho correr à tua ajuda,
Ele que, acredito, levara antes a lira de Árion.
E agora eu mesmo me preparava para me lançar do penhasco,
Quando o medo dissipou tais visões.