quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A tragédia grega e Ésquilo

Busto de Ésquilo



Por Paulo Martins

Muito se diz que uma das maiores contribuições da civilização grega antiga foi a literatura. Nomes, como o de Homero, sempre são citados pelos professores como modelos para a cultura ocidental desde a Roma Antiga até os nossos dias. Entretanto, não há como negar que essa civilização nos proporcionou o gênero literário mais diferenciado, o teatro, em suas duas modalidades: a tragédia e a comédia.












Máscara Trágica e Mácara Cômica


O teatro grego, mais do que um gênero literário, era uma instituição política, isto é, algo típico da cidade-estado. As peças teatrais eram apresentadas em festivais que eram mantidos pelo poder público e eram dedicados a Dionísio, deus do vinho. Ocorriam todos anos e elevavam os vencedores dos concursos à posição de cidadão insigne dentro da estrutura social da polis. Cada autor deveria apresentar três peças e um ditirambo satírico, gênero, do qual pouco se sabe (afinal apenas fragmentos chegaram até nós íntegros). Nessas festas, a população escolhia o melhor entre os concorrentes, e essa participação sistemática nos festivais nos leva a crer que a literatura entre os gregos ocupava uma posição de destaque, uma vez que fazia parte do dia-a-dia, era discutida e pensada como um assunto de estado.



Sátiro


A origem da tragédia são os cantos corais religiosos, uma espécie de jogral, que, em seu desenvolvimento histórico, evoluem para diálogos entremeados de cânticos. Dessa forma, temos outra característica que sobreviveu pelo menos até a Idade Moderna: o teatro como poesia, fato que, hoje em dia, nos soa estranhamente, mas que é facilmente observável na tradição do humanismo e do classicismo: Moliére, Racine, Shakespeare e, mesmo, entre nós, Gil Vicente. Eles representam essa modalidade literária com maestria e engenho. Suas peças, além da sutileza de enredo e da precisão na constituição das personagens, são modelos de uma forma de poesia acurada e cuidadosa.

Vale lembrar que a dupla origem da tragédia (religião e poesia) é atestada pela etimologia da palavra tragédia: “tragos” “oidia”, o canto do bode. O canto se associa à forma poética e o bode, animal ligado ao culto de Dionísio, à religião. Pode-se dizer que a tragédia se ocupa, então, de uma dupla dimensão que se verifica não só na sua própria estrutura, como também no seu conteúdo. De um lado o coro, personagem coletiva e anônima, que entoa cânticos religiosos e comenta os episódios da ação em versos líricos; de outro lado, as personagens que a partir de sua fala em versos que se aproximam do ritmo da fala do cotidiano, fazem o desenrolar da trama. Além disso, o coro, sob o aspecto do conteúdo de seu canto, representa uma dimensão humana da cidade, comenta a ação dos heróis sob a óptica do cidadão; enquanto os personagens, representam ações míticas e, portanto, divinas em certa medida.


Baco

Entre os tragediógrafos gregos, o tempo nos legou apenas três: Ésquilo, Sófocles e Eurípides, cada um dos quais representando um estágio desse gênero. Do primeiro, temos 7 tragédias ; do segundo, igualmente 7 e do terceiro, 18. Ésquilo é seguramente o autor cuja obra mais se distancia da nossa concepção de teatro, podemos dizer que, por conta de estar mais próximo das origens, ─ entre os três, é o mais antigo ─ é o mais lírico dos autores, seus coros são mais extensos e suas ações são mais simples. A produção de Ésquilo foi muito vasta, há notícias de que escreveu mais de cem tragédias, contudo apenas Os persas, Os sete contra Tebas, Prometeu Acorrentado, Agamêmnon, As suplicantes, As coéforas e As Eumênides chegaram até nós e, em todas elas, o duplo alcance das tragédias é verificado.


Nascido em 525 a. C. em Elêusis, antes, portanto, do apogeu ateniense com Péricles, ele participou das guerras médicas (contra os persas), tento lutado na famosa batalha de Maratona em 490 e depois em Salamina em 480. Tal fato influencia sua produção artística, já que Os Persas trata justamente dessa última batalha e se caracteriza por não se fixar em tema mítico, mas histórico. Contudo, isso não impede que dê luz mítica ao evento histórico como forma de amplificar a condição dos soldados gregos em relação aos bárbaros, os persas. Ao invés de glorificar a vitória grega, salienta a derrota persa, a justificando como desígnio divino, castigo que foi mantido por muito tempo em suspenso e que, naquele momento, se coloca como amostra do que podem os deuses contra os mortais.


Sob o viés da guerra, também está centrada a tragédia Os sete contra Tebas, porém, ao contrário d’Os Persas, Ésquilo propõe um enredo mítico: a maldição de Édipo. Seus filhos com Jocasta (mãe e esposa), Polineces e Etéocles devem combater e morrer. E é o que ocorre e mais uma vez o destino se cumpre como forma de demonstração de força dos imortais em relação a nós, mortais. Da mesma maneira que a peça anterior, a ação é muito reduzida e abundam descrições e momentos de extremo lirismo.


A aflição das mulheres é uma temática recorrente em Ésquilo. Entretanto, em As Suplicantes, isto é patente. O enredo é proposto a partir das 50 filhas de Dânao, as danaides, que segundo o mito foram condenadas a encher tonéis sem fundo pela eternidade. Dânao, que reinou no Egito com seu irmão durante muito tempo, com ele se indispôs e partiu de lá com suas filhas. Contudo, seus primos desejavam desposar suas filhas e, isto, não era o seu desejo. Dessa forma, pede asilo em Argos cujo rei as salvará de imediato, mas sua desdita já se prenuncia e seu sofrimento está predeterminado.


Talvez, sua tragédia mais conhecida seja o Prometeu Acorrentado, cujo enredo é de teor inverso ao d’Os Persas, pois é todo centrado no mundo divino. Prometeu descumpre a determinação de Zeus de ter dado aos mortais o conhecimento do fogo. Como pena, é cravado num rochedo e lá é visitado pelo coro que se apiedando, lhe dá conselhos. A questão central do Prometeu parece ser o caráter de Zeus que longe de piedoso, mostra-se tirânico e absolutamente humano nas suas atitudes.


O ponto alto da obra de Ésquilo é a trilogia Orestia ou Orestéia, formada pelas peças Agamêmnon, As Coéforas e As Eumênides. Agamêmnon guarda para si talvez uma das imagens mais belas da literatura ocidental, a morte de Ifigênia, mas seu ponto central é Clitemnestra, esposa adultera do grande general grego da guerra de Tróia. Apesar de seu caráter discutível sob o ponto de vista da moralidade mortal, ela é um instrumento da justiça divina: mata o esposo para vingar a filha. Em As Coéforas, a sina do clã se desenrola, pois os filhos Orestes e Electra matam a mãe para vingar o pai por ordem de Apolo. Em As Eumênides, a ordem divina se impõe sobre a humana, Orestes é julgado em Atenas. Tal julgamento celebra o triunfo da justiça sobre as vinganças cegas.A obra de Ésquilo que começara “com a vitória de Atenas sobre os bárbaros, termina com a esperança de sua vitória sobre todas as desordens internas susceptíveis de ameaçá-la.”


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Ésquilo em Português



Ésquilo - Orestéia. Tradução: Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras. 3 volumes.