sábado, 28 de fevereiro de 2009

Vt Pictura Rhetorica - Zêuxis e Cícero

A retórica assim como a poesia é afeita à homologia com a pintura. Em Simonides via Plutarco já se lia "a pintura é a poesia muda e a poesia é a pintura que fala". Em Horácio leu-se "ut pictura poesis" (como a pintura, a poesia). No primeiro Cícero, no De Inuentione, temos a passagem a seguir que nos permite dizer analogamente Vt Pictura Rhetorica:

[I,1] - Crotoniatae quondam, cum florerent omnibus copiis et in Italia cum primis beati numerarentur, templum Iunonis, quod religiosissime colebant, egregiis picturis locupletare voluerunt. itaque Heracleoten Zeuxin, qui tum longe ceteris excellere pictoribus existimabatur, magno pretio conductum adhibuerunt. is et ceteras conplures tabulas pinxit, quarum nonnulla pars usque ad nostram memoriam propter fani religionem remansit, et, ut excellentem muliebris formae pulchritudinem muta in se imago contineret, Helenae pingere simulacrum velle dixit; quod Crotoniatae, qui eum muliebri in corpore pingendo plurimum aliis praestare saepe accepissent, libenter audierunt. putaverunt enim, si, quo in genere plurimum posset, in eo magno opere elaborasset, egregium sibi opus illo in fano relicturum. neque tum eos illa opinio fefellit. [2] nam Zeuxis ilico quaesivit ab iis, quasnam virgines formosas haberent. illi autem statim hominem deduxerunt in palaestram atque ei pueros ostenderunt multos, magna praeditos dignitate. etenim quodam tempore Crotoniatae multum omnibus corporum viribus et dignitatibus antisteterunt atque honestissimas ex gymnico certamine victorias domum cum laude maxima rettulerunt. cum uerorum igitur formas et corpora magno hic opere miraretur: 'Horum,' inquiunt illi, 'sorores sunt apud nos virgines. quare, qua sint illae dignitate, potes ex his suspicari'. 'Praebete igitur mihi, quaeso,' inquit, 'ex istis virginibus formonsissimas, dum pingo id, quod pollicitus sum vobis, ut mutum in simulacrum ex animali exemplo veritas transferatur.' [3] tum Crotoniatae publico de consilio virgines unum in locum conduxerunt et pictori quam vellet eligendi potestatem dederunt. ille autem quinque delegit; quarum nomina multi poetae memoriae prodiderunt, quod eius essent iudicio probatae, qui pulchritudinis habere verissimum iudicium debuisset. neque enim putavit omnia, quae quaereret ad venustatem, uno se in corpore reperire posse ideo, quod nihil simplici in genere omnibus ex partibus perfectum natura expolivit. itaque, tamquam ceteris non sit habitura quod largiatur, si uni cuncta concesserit, aliud alii commodi aliquo adiuncto incommodo muneratur.

[II,4] - Quod quoniam nobis quoque voluntatis accidit, ut artem dicendi perscriberemus, non unum aliquod proposuimus exemplum, cuius omnes partes, quocumque essent in genere
[1], exprimendae nobis necessarie viderentur; sed omnibus unum in locum coactis scriptoribus, quod quisque commodissime praecipere videbatur, excerpsimus et ex variis ingeniis excellentissima quaeque libavimus. ex iis enim, qui nomine et memoria digni sunt, nec nihil optime nec omnia praeclarissime quisquam dicere nobis videbatur. quapropter stultitia visa est aut a bene inventis alicuius recedere, si quo in vitio eius offenderemur, aut ad vitia eius quoque accedere, cuius aliquo bene praecepto duceremur [5] quodsi in ceteris quoque studiis a multis eligere homines commodissimum quodque quam sese uni alicui certe vellent addicere, minus in arrogantia[m] offenderent; non tanto opere in vitiis perseverarent; aliquanto levius ex inscientia laborarent. ac si par in nobis huius artis atque in illo picturae scientia fuisset, fortasse magis hoc in suo genere opus nostrum quam illius in suo pictura nobilis eniteret. ex maiore enim copia nobis quam illi fuit exemplorum eligendi potestas. ille una ex urbe et ex eo numero virginum, quae tum erant, eligere potuit; nobis omnium, quicumque fuerunt ab ultimo principio huius praeceptionis usque ad hoc tempus, expositis copiis, quodcumque placeret, eligendi potestas fuit.

[1] Genus, generis por espécie, qualidade, tipo.

Cícero – Sobre a Invenção[1]

[I,1] Outrora os habitantes de Crotona, como prosperassem em meio a muitas riquezas e, na Itália, fossem considerados como ricos entre os ricos, desejaram locupletar o templo de Juno[2], a qual cultuavam com muita devoção, com pinturas insignes. Então, convidaram Zeuxis[3] de Heracléia, contratado por uma quantia significativa, ele que, à época, estimava-se que era, de longe, superior aos demais pintores. Ele havia pintado muitos quadros, alguns dos quais sobreviveram, em vários lugares, à nossa memória por conta da veneração de um lugar consagrado. E, como imagem muda em si mesma encerrasse a beleza da forma feminina, disse que desejaria pintar um retrato de Helena. Por isso, os habitantes de Crotona, que amiúdo ouviam dizer que ele superava aos demais pintores ao pintar o corpo de mulher, de bom grado, ficaram satisfeitos. Julgaram, pois, se nesse gênero era o melhor, ele elaboraria, num grande trabalho, uma egrégia obra que, para eles, cronatitas, haveria de sobreviver naquele templo. Dessa maneira, essa opinião não os abandonou. [2] Assim, Zeuxis perguntou-lhes se havia lá formosas virgens. Por sua vez, eles o conduziram imediatamente ao ginásio e a ele apresentaram muitos rapazes, reconhecidos por serem de extrema beleza. Porquanto, há tempos, os cronatitas tiveram a primazia inegável entre todos pela força e pela beleza dos corpos e trouxeram para casa honradíssimas vitórias de certames de luta com louvor máximo.
Como, pois, ele admirasse verdadeiramente a beleza e os corpos, Eles falaram: “As irmãs virgens deles estão em nossa cidade. Porque podes a partir deles supor a beleza delas”. “Apresentai-me, pois, as mais bonitas destas virgens, peço, ele disse, enquanto pinto aquilo que prometi-vos, para que ao retrato mudo, a partir de um modelo vivo, a verdade seja transferida [3] Então, os habitantes de Crotona a um único local conduziram, por uma decisão pública, as virgens e ao pintor deram o poder que desejasse para escolher. Ele, por sua vez, escolheu cinco, cujos nomes muitos poetas propagaram à memória porque foram aprovadas pelo juízo dele que devia tê-lo justíssimo sobre a beleza. Julgou, com efeito, que não podia encontrar em um só corpo tudo que procurava para (representar) a beleza, pois que a natureza nada cultivou perfeito em todas as partes uma única espécie. E, assim, como (a natureza) não haveria de possuir o que tivesse dado em abundância a muitos, se tudo tivesse concedido a um único tudo, ela presenteia a cada um de vantagens em cada parte, tendo unido as desvantagens.


[II, 4] Como escrevesse uma arte retórica, isto também aconteceu com minha intenção. Não propus um único exemplo do qual, por mim, todas as partes devessem ser extraídas, qualquer que fosse a espécie, quando parecesse que isto fosse necessário. Ao contrário, num único local, de todos escritores reunidos, tomei aquilo que cada um parecesse prescrever vantajosamente. E escolhi de vários engenhos e recolhi as melhores partes. Desses, pois, aqueles que são dignos do nome e da memória, nenhum me parecia dizer tudo de bom nem só coisas excelentes. Pelo que pareceu tolice ou afastar-me de algo bom de alguém que inventa[4], se por ele fui tocado no seu vício, ou, também, me aproximar do vício de quem fui conduzido por algum bom preceito. [5] E se os estudiosos, também, em outros estudos, preferissem escolher entre muitos os mais valiosos a aprovar para si um único exclusivamente, esbarrariam menos na arrogância e não persistiriam tanto nos vícios na obra e sofreriam muito pouco por sua ignorância. E se nesta minha arte fosse semelhante àquele na ciência da pintura, provavelmente esta nossa obra se distinguisse mais do que na sua a nobre pintura dele. Pois, eu tive a possibilidade de escolher mais exemplos a partir de um maior repertório do que ele teve. Ele uma de uma cidade e de um numero de virgens que, então, havia, pôde escolher; Para mim, de todos, quaisquer que tenham sido desde o mais longínquo princípio desta preceptiva de então até nosso tempo, apresentados os repertórios, qualquer que me agradasse, tive a possibilidade de escolher.

[1] Tradução nossa.
[2] Cf. Diodoro Sículo, Biblioteca Histórica, IV, 24.
[3] Cf. Aristóteles, Poética, 1450 a 23 e 1461 b 9. D. W. Lucas no comentário à Poética diz: “Zeuxis at Heraclea in southern Italy worked in the late fifth and early fourth centuries. He is mentioned at 61b12 as painting figures more faultlessly beautiful than any in real life. Zeuxis painted men more beautiful than they really are, though according to 50 a 28 they lacked éthos.
[4] No sentido retórico, aquele que produz o texto.