Com Início no dia 1o. de Março, ministrarei os seguintes cursos de graduação neste semestre:
1. Literatura Latina: Lírica - às 3as., 10:00h
2. Literatura Latina: Teatro - às 3as., 8:00h
3. Conceitos de Retórica - às 2as., 10:00h
4. Língua Latina V - às 4as, 10:00h
Os temas previstos para o curso de Lírica são:
1. Bases gregas de poesia lírica:
a. Performance e recepção das letras gregas e latinas
b. Extensão do termo lírica e contraste com a aulética e com a citarística
c. Monódica e Coral - Mélica
d. Temática
2. Os gêneros "líricos" de acordo com Menandro, Retor
Generic composition in greek and roman poetry - Francis Cairns
a. associação entre poesia e retórica - o epidítico e o epinício, o hino, etc.
b. Quintiliano Livro dez.
c. Tácito Diálogo dos Oradores, 10...
3. A poesia Lírica de Catulo e de Horácio
a. Contexto Histórico Republicano e os Neóteroi
b. Contexto Histórico do Principado de Augusto (o Mecenato - a "propaganda")
c. Leitura e Análise, Textos dentro desse universo.
Temas do curso de Teatro:
· A questão do coro e sua "voz" como interferência externa na ação trágica.
· A questão da catarse, terror e piedade - efeitos de sentido na audiência trágica.
· A construção retórica das tragédias de Sêneca.
· Sob o aspecto teórico, desenvolver a questão do riso x catarse.
· Riso e argumentação (retórica)
· Os Caracteres de Teofrasto na constituição da comédia nova.
Temas do curso de Conceitos de Retórica:
Origem e a doutrina diacronicamente observada
Questões de Retórica Grega
Retórica, sofística, dialética e filosofia
i. Platão
1. Fedro
2. Górgias
3. Sofista
4. Protágoras
Retórica e Ética
i. Aristóteles
1. Retórica
2. Ética a Nicômaco
Retórica x oratória x eloqüência
Objeto e finalidade - Quintiliano.
Partes do discurso
i. Exordium/proemium
ii. Narratio
iii. Argumentatio
iv. Confirmatio/Refutatio
v. Peroratio
Sistema retórico
i. Inuentio/Invenção
ii. Dispositio/Disposição
iii. Elocutio/Elocução
iv. Memória
v. Actio/Ação
A doutrina de Hermágoras.
O orador
O orador e a audiência: o contexto dos discursos.
O éthos do orador e fides/credibilidade.
O páthos - Cícero e Quintiliano.
Humor - Cícero e Quintiliano.
Virtudes da elocução (uirtutes elocutionis)
Decoro/Aptum/Pršpon
Perspicuitas
Latinitas
Ornatus
Gêneros do Discurso
Delimitação do termo genus, generis
Epidítico
Judicial
Deliberativo
Práxis e Doutrina
Performance
Apropriação (o discurso na historiografia, na épica)
Poesia e Retórica
i. Pseudo Longino – Sobre o sublime.
ii. Menandro: Dois tratados de Retórica Epidítica
Quintiliano, Livro 10
Espaço dedicado às letras e às artes, especialmente e não exclusivamente do mundo greco-romano antigo. Paulo Martins - IAC/PPGLC/USP
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Dissertação de Mestrado
Na sexta-feira, 19 de fevereiro, Cecília Gonçalves Lopes, apresentou sua dissertação de mestrado junto ao PPG em Letras Clássicas da USP. A Banca composta por Paulo Sérgio de Vasconcellos do IEL da Unicamp e por mim e Adriano Scatolin do DLCV/USP APROVAMOS O EXCELENTE TRABALHO cujo título é Confluência Genérica na Elegia Erótica de Ovídio ou A Elegia Erótica em Elevação.
Segue o Resumo do trabalho e o texto que Cecília apresentou à assistência.
LOPES, Cecilia Gonçalves. Confluência genérica na Elegia Erótica de Ovídio ou a elegia Erótica em elevação. 2009. 161f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
No final do século I a.C., a Elegia Erótica Romana desafiou os gregos e as convenções poéticas apresentando um poeta-amante que cantava suas aventuras amorosas em primeira pessoa. Como se isso não bastasse, esse eu-elegíaco se dedicava à puella como se tal tarefa fosse uma militia, um seruitium amoris, e que exigia tempo integral. Galo, Propércio e Tibulo nos apresentaram suas dominas e se negaram a servir à pátria.
Ovídio foi além: seguiu seus predecessores mas fez com que seus leitores aprendessem a entender o papel de cada uma das normas na construção desse gênero. Escreveu seu primeiro livro, Amores, e , a partir daí, começou a traçar um caminho ascendente: queria sua Elegia elevada, não apenas média.
Para isso, produziu recusationes, elegias programáticas e, o mais importante, confluiu gêneros. Fez uso da Epistolografia, da Retórica, da Didática e de personas e exempla míticos para compor Heroides, Ars amatoria e Remedia amoris.Nesta dissertação, mostra-se a trajetória do poeta na elevação da Elegia Erótica de Ovídio.
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Segue o Resumo do trabalho e o texto que Cecília apresentou à assistência.
LOPES, Cecilia Gonçalves. Confluência genérica na Elegia Erótica de Ovídio ou a elegia Erótica em elevação. 2009. 161f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
No final do século I a.C., a Elegia Erótica Romana desafiou os gregos e as convenções poéticas apresentando um poeta-amante que cantava suas aventuras amorosas em primeira pessoa. Como se isso não bastasse, esse eu-elegíaco se dedicava à puella como se tal tarefa fosse uma militia, um seruitium amoris, e que exigia tempo integral. Galo, Propércio e Tibulo nos apresentaram suas dominas e se negaram a servir à pátria.
Ovídio foi além: seguiu seus predecessores mas fez com que seus leitores aprendessem a entender o papel de cada uma das normas na construção desse gênero. Escreveu seu primeiro livro, Amores, e , a partir daí, começou a traçar um caminho ascendente: queria sua Elegia elevada, não apenas média.
Para isso, produziu recusationes, elegias programáticas e, o mais importante, confluiu gêneros. Fez uso da Epistolografia, da Retórica, da Didática e de personas e exempla míticos para compor Heroides, Ars amatoria e Remedia amoris.Nesta dissertação, mostra-se a trajetória do poeta na elevação da Elegia Erótica de Ovídio.
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Confluência genérica na Elegia Erótica de Ovídio
ou a Elegia Erótica em elevação
Defesa de Mestrado - Cecília Gonçalves Lopes
ou a Elegia Erótica em elevação
Defesa de Mestrado - Cecília Gonçalves Lopes
Roma: em um espaço restrito da cidade, os Fóruns, parece concentrar-se toda sua vida: trabalho, lazer, políticos e poetas, malandros, punguistas, soldados e lenas. O Palatino e as insulae: Roma é barulho durante o dia e à noite.
A cidade que preserva sua memória em monumentos arquitetônicos e literários é o lugar onde se encontram pessoas vindas de todas as partes do mundo, e sob Augusto Roma se modifica bastante. Nas letras, agora há quem cante o ócio. A guerra civil acabou e alguns poetas, os elegíacos, falam sobre o amor em versos desiguais, os dísticos. Roma é, afinal de contas, um anagrama desse sentimento capaz de escravizar, de tornar doentes aqueles que são sadios. Ovídio conseguiu, assim como Catulo, Propércio e Tibulo antes dele, perceber tal sutileza e fez, a partir do tema e do gênero, poemas deliciosos. Fez do amor, nas letras, o objetivo de viver.
Por cerca de cinqüenta anos, ao final do século I a.C., os elegíacos falaram, em primeira pessoa, sobre suas aventuras amorosas com as puellas, mulheres que não queriam casamento e tampouco ver-se imortalizadas em versos. Queriam presentes e dinheiro. Quem eram elas? Prostitutas, casadas, solteiras? Reais ou imaginárias? E o que dizer dos próprios amantes? Por que tornar-se escravos de mulheres tão caprichosas? Por que falar de um tema médio, em métrica tampouco elevada? Por que dedicar-se à militia amorosa quando mais nobre era participar de guerras, defender a pátria?
Muitas são as perguntas que persistem quando falamos da Elegia Erótica Romana. Mas felizmente inúmeros são os versos que chegaram até nós e, ainda que não consigamos dirimir todas as dúvidas, podemos ao menos reconhecer algumas características próprias do gênero.
E assim, com a ideia de tentar organizar, para mim, o que era a Elegia Erótica, cheguei a Ovídio. Não era ele apenas um elegíaco, um amante sofrendo por sua Corina, mas também, e principalmente, um poeta preocupado em mostrar convenções das letras latinas e, assim, transformar seu público, torná-lo apto a uma leitura mais aprofundada.
***
Minha pesquisa começou apenas com Heroides. O intuito era estudar, na Elegia, traços de gêneros diversos nessas epístolas escritas por personagens mitológicas – e por Safo. Retórica, Elegia e Epistolografia eram itens básicos, mas que acabaram se mostrando, apenas no estudo desse livro, enfadonhos.
Foi então que, buscando mais informações, encontrei algo que me pareceu extremamente interessante: Ovídio dedicava-se, sim, à poikilia, e não apenas nas Heroides. Seu plano parecia maior: a partir de Amores, obra média, sua intenção era ascender genericamente, produzir textos mais elevados valendo-se da mistura de convenções de diferentes gêneros. Seu objetivo era confluir gêneros, transgredi-los, desafiá-los.
A poikilia, portanto, aparecia em Amores, Heroides, n’A Arte de Amar e em Remédios – pra ficar com os livros estudados nesta dissertação -, e não estavam lá apenas por capricho ou para demonstrar o ingenium do poeta, mas para levá-lo a outras obras, como dissemos, mais elevadas. O caminho traçado desde o começo por ele existia realmente e poderia ser encontrado?
Acreditava que poderia, não sabia se por mim. Ovídio, desde os primeiros versos dos Amores, brinca. O poeta-amante é mais experiente, seja nas letras ou no amor. Ele já aparece como um magister, tentando tornar claras as convenções usadas por aqueles que se diziam sinceros e que passavam por sofrimentos e torturas, pela recusa da amada e pela rigidez de suas portas.
A todo o momento, ainda, Ovídio escreve sobre o escrever. A todo o momento ele tenta nos abrir os olhos, mostrar a Elegia, composta em dísticos, a partir de um ponto de vista não somente elegíaco, mas mais amplo. Estão ali em seus poemas as normas do gênero, passíveis de identificação, mas com ironia, com uma piscadela - para fazer uso da expressão de Paul Veyne.
Assim, ainda que nos Amores sofra o amante, sua situação é diferente daquela retratada por Tibulo ou Propércio. O apaixonado de Ovídio gosta também da escrava de Corina e de alguma outra mulher que lhe aprecie os poemas. Ele ama o jogo elegíaco mais do que qualquer outra coisa. O poeta gosta mais de escrever sobre o amor do que o amante, de amar.
Com Heroides, o sofrimento é feminino, não mais masculino. Há a ausência, a queixa. A querela. A remetente da epístola, além disso, nos é superior, pois personagem mitológica. Conhece, assim como o outro autor, as regras das letras. Preocupa-se com o escrever, é escritora. Safo é escritora, se diz autora no terceiro verso de sua epístola. E tomamos contato com a Retórica e a Epistolografia na ascensão genérica. O amor permanece tema majoritário, e continua causando dor.
Com a Ars Amatoria, manual de conquista amorosa, Ovídio utiliza principalmente a Didática. A Elegia e a Tragédia já haviam brigado por ele em Amores, e ele tinha dito que ainda iria se dedicar a eles por mais um tempo – e assim o faz, seguindo aquilo que havia falado ao marido de sua puella: o ludus há que existir. Mas não pode ser muito fácil nem entregar todo seu regulamento. Quando isso acontece, ele parte para nova empreitada.
Não nos esqueçamos que, com a Arte, interessa-nos perceber que se separam de vez os dois papéis: o de amante e o de magister. Este se vale da experiência daquele e, assim, está apto a dar conselhos. A mitologia é usada para dar-lhe mais autoridade.
Com os Remedia, finalmente, acaba o amor. O que havia começado com Corina vai esmorecendo. Se com a Ars Ovídio queria ensinar, nas letras, a arte da conquista e de sua manutenção, com os Remédios ele chega a um marco de sua obra ascendente. Acaba seu jogo. Está preparado para voos mais altos. A Didática permanece, mas agora o tema é levado à exaustão.
Mas, novamente, trata-se de Ovídio. Seu jogo acabou? Uma das leituras que se pode fazer é que, mais uma vez, ele ironicamente desafia os limites: o poema didático que pretende acabar com o amor, que quer ensinar algo não passível de ser esquematizado, que parece desdizer a Ars é, na verdade, uma volta a ele, o sentimento. Um exemplo, presente nos versos 757 a 766:
Que eu seja obrigado a falar: não toque os poetas eróticos! / Eu mesmo, ímpio, afasto meus dotes. / Evita Calímaco: ele não é inimigo do Amor: / e como Calímaco, tu também, Filetas, fazes mal. / Safo, certamente, me tornou melhor para minha amiga, / e a Musa de Teos não me deu rígidos costumes. / Quem poderia ter lido, sem medo, os poemas de Tibulo? / ou os teus, em cuja obra Cíntia foi única? / Quem, tendo lido Galo, poderia, insensível, partir? / E sei que meus poemas ressoam como tal.
Em dísticos elegíacos, Ovídio elenca poetas que não devem ser lidos porque falam de amor. Ele quer ou não que os leiamos? Quer, e quer ainda que voltemos aos Amores. O Amor, afinal de contas vence tudo e todos. Em gênero baixo, médio ou elevado.
De qualquer forma, ainda que com essa volta aos seus primeiros versos, Ovídio parece conseguir atingir seu objetivo: desafiando limites, fazendo da Elegia um supergênero, escrevendo na fronteira entre gêneros, sua poesia ascende. O amor vivido como aventura em Amores é sentido por personae mitológicas e se torna tema a ser ensinado na Ars. O que torna tudo mais engenhoso é a forma como o poeta produz, como brinca, ironicamente, enquanto nos ensina a lê-lo.
***
Roma é a cidade dos monumentos, do Palatino, do Capitólio. De Cícero, de Plauto, de Virgílio. Suas múltiplas vozes, construídas e reconstruídas em mármore em versos, ainda aparecem vivas, estejam elas falando de guerras ou de amores. Mas quando fala de Amor, fala de si mesma e de Vênus. Especificamente com Ovídio, somos levados por caminhos diversos, e às vezes não sabemos aonde vamos chegar – nem como. O que ficou para mim, entretanto, é que não importa o quanto releia seus poemas: por causa de seu engenho, de suas artimanhas e de sua ironia, ele conseguiu o que queria. Continuo apaixonada. Pelas suas palavras e pelo amor.
A cidade que preserva sua memória em monumentos arquitetônicos e literários é o lugar onde se encontram pessoas vindas de todas as partes do mundo, e sob Augusto Roma se modifica bastante. Nas letras, agora há quem cante o ócio. A guerra civil acabou e alguns poetas, os elegíacos, falam sobre o amor em versos desiguais, os dísticos. Roma é, afinal de contas, um anagrama desse sentimento capaz de escravizar, de tornar doentes aqueles que são sadios. Ovídio conseguiu, assim como Catulo, Propércio e Tibulo antes dele, perceber tal sutileza e fez, a partir do tema e do gênero, poemas deliciosos. Fez do amor, nas letras, o objetivo de viver.
Por cerca de cinqüenta anos, ao final do século I a.C., os elegíacos falaram, em primeira pessoa, sobre suas aventuras amorosas com as puellas, mulheres que não queriam casamento e tampouco ver-se imortalizadas em versos. Queriam presentes e dinheiro. Quem eram elas? Prostitutas, casadas, solteiras? Reais ou imaginárias? E o que dizer dos próprios amantes? Por que tornar-se escravos de mulheres tão caprichosas? Por que falar de um tema médio, em métrica tampouco elevada? Por que dedicar-se à militia amorosa quando mais nobre era participar de guerras, defender a pátria?
Muitas são as perguntas que persistem quando falamos da Elegia Erótica Romana. Mas felizmente inúmeros são os versos que chegaram até nós e, ainda que não consigamos dirimir todas as dúvidas, podemos ao menos reconhecer algumas características próprias do gênero.
E assim, com a ideia de tentar organizar, para mim, o que era a Elegia Erótica, cheguei a Ovídio. Não era ele apenas um elegíaco, um amante sofrendo por sua Corina, mas também, e principalmente, um poeta preocupado em mostrar convenções das letras latinas e, assim, transformar seu público, torná-lo apto a uma leitura mais aprofundada.
***
Minha pesquisa começou apenas com Heroides. O intuito era estudar, na Elegia, traços de gêneros diversos nessas epístolas escritas por personagens mitológicas – e por Safo. Retórica, Elegia e Epistolografia eram itens básicos, mas que acabaram se mostrando, apenas no estudo desse livro, enfadonhos.
Foi então que, buscando mais informações, encontrei algo que me pareceu extremamente interessante: Ovídio dedicava-se, sim, à poikilia, e não apenas nas Heroides. Seu plano parecia maior: a partir de Amores, obra média, sua intenção era ascender genericamente, produzir textos mais elevados valendo-se da mistura de convenções de diferentes gêneros. Seu objetivo era confluir gêneros, transgredi-los, desafiá-los.
A poikilia, portanto, aparecia em Amores, Heroides, n’A Arte de Amar e em Remédios – pra ficar com os livros estudados nesta dissertação -, e não estavam lá apenas por capricho ou para demonstrar o ingenium do poeta, mas para levá-lo a outras obras, como dissemos, mais elevadas. O caminho traçado desde o começo por ele existia realmente e poderia ser encontrado?
Acreditava que poderia, não sabia se por mim. Ovídio, desde os primeiros versos dos Amores, brinca. O poeta-amante é mais experiente, seja nas letras ou no amor. Ele já aparece como um magister, tentando tornar claras as convenções usadas por aqueles que se diziam sinceros e que passavam por sofrimentos e torturas, pela recusa da amada e pela rigidez de suas portas.
A todo o momento, ainda, Ovídio escreve sobre o escrever. A todo o momento ele tenta nos abrir os olhos, mostrar a Elegia, composta em dísticos, a partir de um ponto de vista não somente elegíaco, mas mais amplo. Estão ali em seus poemas as normas do gênero, passíveis de identificação, mas com ironia, com uma piscadela - para fazer uso da expressão de Paul Veyne.
Assim, ainda que nos Amores sofra o amante, sua situação é diferente daquela retratada por Tibulo ou Propércio. O apaixonado de Ovídio gosta também da escrava de Corina e de alguma outra mulher que lhe aprecie os poemas. Ele ama o jogo elegíaco mais do que qualquer outra coisa. O poeta gosta mais de escrever sobre o amor do que o amante, de amar.
Com Heroides, o sofrimento é feminino, não mais masculino. Há a ausência, a queixa. A querela. A remetente da epístola, além disso, nos é superior, pois personagem mitológica. Conhece, assim como o outro autor, as regras das letras. Preocupa-se com o escrever, é escritora. Safo é escritora, se diz autora no terceiro verso de sua epístola. E tomamos contato com a Retórica e a Epistolografia na ascensão genérica. O amor permanece tema majoritário, e continua causando dor.
Com a Ars Amatoria, manual de conquista amorosa, Ovídio utiliza principalmente a Didática. A Elegia e a Tragédia já haviam brigado por ele em Amores, e ele tinha dito que ainda iria se dedicar a eles por mais um tempo – e assim o faz, seguindo aquilo que havia falado ao marido de sua puella: o ludus há que existir. Mas não pode ser muito fácil nem entregar todo seu regulamento. Quando isso acontece, ele parte para nova empreitada.
Não nos esqueçamos que, com a Arte, interessa-nos perceber que se separam de vez os dois papéis: o de amante e o de magister. Este se vale da experiência daquele e, assim, está apto a dar conselhos. A mitologia é usada para dar-lhe mais autoridade.
Com os Remedia, finalmente, acaba o amor. O que havia começado com Corina vai esmorecendo. Se com a Ars Ovídio queria ensinar, nas letras, a arte da conquista e de sua manutenção, com os Remédios ele chega a um marco de sua obra ascendente. Acaba seu jogo. Está preparado para voos mais altos. A Didática permanece, mas agora o tema é levado à exaustão.
Mas, novamente, trata-se de Ovídio. Seu jogo acabou? Uma das leituras que se pode fazer é que, mais uma vez, ele ironicamente desafia os limites: o poema didático que pretende acabar com o amor, que quer ensinar algo não passível de ser esquematizado, que parece desdizer a Ars é, na verdade, uma volta a ele, o sentimento. Um exemplo, presente nos versos 757 a 766:
Que eu seja obrigado a falar: não toque os poetas eróticos! / Eu mesmo, ímpio, afasto meus dotes. / Evita Calímaco: ele não é inimigo do Amor: / e como Calímaco, tu também, Filetas, fazes mal. / Safo, certamente, me tornou melhor para minha amiga, / e a Musa de Teos não me deu rígidos costumes. / Quem poderia ter lido, sem medo, os poemas de Tibulo? / ou os teus, em cuja obra Cíntia foi única? / Quem, tendo lido Galo, poderia, insensível, partir? / E sei que meus poemas ressoam como tal.
Em dísticos elegíacos, Ovídio elenca poetas que não devem ser lidos porque falam de amor. Ele quer ou não que os leiamos? Quer, e quer ainda que voltemos aos Amores. O Amor, afinal de contas vence tudo e todos. Em gênero baixo, médio ou elevado.
De qualquer forma, ainda que com essa volta aos seus primeiros versos, Ovídio parece conseguir atingir seu objetivo: desafiando limites, fazendo da Elegia um supergênero, escrevendo na fronteira entre gêneros, sua poesia ascende. O amor vivido como aventura em Amores é sentido por personae mitológicas e se torna tema a ser ensinado na Ars. O que torna tudo mais engenhoso é a forma como o poeta produz, como brinca, ironicamente, enquanto nos ensina a lê-lo.
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Roma é a cidade dos monumentos, do Palatino, do Capitólio. De Cícero, de Plauto, de Virgílio. Suas múltiplas vozes, construídas e reconstruídas em mármore em versos, ainda aparecem vivas, estejam elas falando de guerras ou de amores. Mas quando fala de Amor, fala de si mesma e de Vênus. Especificamente com Ovídio, somos levados por caminhos diversos, e às vezes não sabemos aonde vamos chegar – nem como. O que ficou para mim, entretanto, é que não importa o quanto releia seus poemas: por causa de seu engenho, de suas artimanhas e de sua ironia, ele conseguiu o que queria. Continuo apaixonada. Pelas suas palavras e pelo amor.
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