sábado, 28 de junho de 2008

João Angelo em Lendo Imagens


No dia 2 de julho, o Prof. Dr. João Angelo Oliva Neto (DLCV/FFLCH/USP) irá proferir palestra sobre a Figuração de Priapo em texto e imagens, aos alunos do Curso de Pós-graduação em Letras Clássicas na Disciplina Lendo Imagens (FLC5967), de minha responsabilidade. A palestra insere-se no programa da disciplina que se ocupa das imagines verbais e visuais da República e do Império. No caso específico, a figuração do pequeno-grande deus nos interessa pela versatilidade de sua representação em chave elevada (é deus) e baixa (é fescenino).

Tendo o curso, em suas primeiras 12 semanas, observado os processos de composição e circulação das imagens públicas e privadas, repuplicanas e imperiais, parece eficiente analisar esse tipo de figuração dupla e, essencialmente, diversa daquelas estudadas. Assim, Priapo, como divindade, poderia sintetizar o discurso epíditico em suas duas vertentes, além de ser, salvo engano, um tipo de representação que transborda dos limites da vila, do domus, da horta e dos jardins e, portanto, de caráter privado, repercutindo hiperbolicamente nos portos e nos grafitos, espaços públicos.

Por que achas que meninas querem vara, mesmo
de madeira, e me beijam bem no meio?
Nem áugure é preciso: "em mim", disse uma delas,
"vai ter uso perfeito a tosca vara".
A oportuna palestra de João Angelo lembrou-me de publicar duas resenhas veiculadas pela Folha de São Paulo, distantes 10 anos entre si. A primeira de minha autoria quando foi publicado "O Livro de Catulo" em 1996 (premiado pela APCA em 1997 como melhor tradução - hoje esgotado), contudo a ser reeditado, completamente revisto e ampliado. A segunda de autoria de Flávio Ribeiro de Oliveira (professor de grego da UNICAMP) por ocasião do já famoso "Falo no Jardim - Priapéia Grega, Priapéia Latina", que constou entre os 10 indicados ao prêmio Jabuti de 2007. Além dessas, ao fim, publico o verbete "João Angelo Oliva Neto" no Dicionário de Tradutores Literários no Brasil.

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Um Mestre Clássico da Métrica


Paulo Martins
ESPECIAL PARA FOLHA
25/08/1996

O Brasil, apesar de tentativas es­parsas na divulgação da literatura clássica antiga por meio de tradu­ções, ainda está muito distante da produção do dito Primeiro Mun­do. O desenvolvimento dessa ati­vidade atingiu tal ponto nestes países que hoje já se tem diacroni­camente uma tradição da tradu­ção.

A Edusp vem, mesmo que timi­damente e sem um projeto mais abrangente, incentivando a divul­gação de traduções e ensaios nessa área. Dessa forma, lança nesse semestre um texto inédito em língua portuguesa: a tradução da obra completa de Catulo, que foi objeto da dissertação de mestrado de João Angelo Oliva Neto, professor da USP.

Por si, tal fato já representaria um dado de suma importância pa­ra os estudos literários no Brasil, dada a representatividade e im­portância de Catulo que, segundo Ezra Pound no “ABC da Literatu­ra", seria o único autor a emular com Safo de Lesbos quanto à mé­trica, além de ser superior a poeti­sa grega arcaica no que se refere à economia das palavras.

O Livro de Catulo, poeta vero­nense que viveu em Roma entre 87 e 57 a.C., não é volumoso, contudo plural, abrangendo um espectro genérico que vai da sátira aguda ao hino, perpassando a poesia amo­rosa, circunstancial e a invectiva com a mesma excelência técnica comentada por Pound. O curioso nessa obra é o sentido de unidade dentro da diversidade, porquanto, apesar de apresentar distintos gê­neros, sedimenta-se em torno de um padrão compositivo, que na Roma Antiga diferenciava um grupo de poetas chamado poetas novos (poetae noui ou neóteroi), que divulgava a poética alexandri­na, assentada em Calímaco de Cirene.

Tal padrão técnico estava centra­do na economia das palavras, na sutileza, na leveza, na rapidez, na escrita e no livro, fato esse que tor­na-se evidente em Catulo ao ob­servarmos o primeiro poema de seu livro, quando denomina sua obra de lepidus nouus libellus (no­vo e gracioso livrinho) e seus tex­tos de nugas (versos ligeiros, ni­nharias).

Talvez a aparente simplicidade da poética de Catulo tenha sido um dos principais fatores para a disseminação de seus poemas entre nós, leitores modernos de poesia antiga. Contudo sempre estivemos sujeitos às traduções esporádicas que não contemplavam a magni­tude e riqueza métrica de seus tex­tos e tampouco davam valor a seus saborosos textos fesceninos por conta de um pudor que não deve­ria e não deve cercear o prazer do texto literário.

Estes dois dados traduzem re­dutoramente, o trabalho de Oliva Neto que, num brilhante em­preendimento de tradução para um ótimo português, não só pro­pôs soluções técnicas competentes à variedade métrica e à habilidade no uso das palavras, como, dada à natureza do trabalho, não se dei­xou levar por certo moralismo que encontramos em tradutores que se deparam com os textos mais pi­cantes do poeta de Verona.

Ademais, João Angelo Oliva Ne­to não se limita às traduções e nos contempla com riquíssimas notas,o que é fundamental para intelec­ção dos textos, tendo em vista os leitores não habituados à leitura dos clássicos, e com uma bem cui­dada e esclarecedora introdução que resgata o que há de mais atual na produção acadêmica.

Digna de ressalva também é a pertinência na escolha das ilustrações do livro. As imagens imediati­zam uma associação entre duas linguagens que se completam, tor­nando mais prazerosa a leitura do livro. Por outro lado, vale dizer que muitas dessas iconografias também são inéditas no mercado editorial brasileiro, tão escasso de publicações desse matiz. Assim, para o leitor de língua portuguesa, essa edição, que já valeria pelo iné­dito de Catulo, é duas vezes bem-vinda.




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O deus das pequenas coisas"Falo no Jardim" reúne os poemas gregos e latinos dedicados a Priapo, divindade obscena e zombeteira


ESPECIAL PARA A FOLHA
17 de setembro de 2006

"Priapéia" é uma coletânea de breves e jocosos poemas anônimos, compostos em latim entre os séculos 1º a.C. e 1º, cujo tema é Priapo, deus da fertilidade, burlesco e itifálico (representado normalmente em estado de ereção).

O culto de Priapo surgiu na Ásia Menor por volta do século 4º a.C., de onde se difundiu pelo mundo grego e, mais tarde, pelo romano.

Priapo era um deus menor, disforme e desprovido da imponência e da beleza severa dos olímpicos. Mas, por isso mesmo, era popular entre as classes mais humildes da população que, além de considerá-lo protetor da fertilidade animal e vegetal, se valia de seu caráter apotropaico: Priapo seria capaz de afastar malefícios e maus-olhados que pudessem prejudicar a virilidade dos homens e a fertilidade do solo.

Os poemas da "Priapéia" têm, pela própria natureza do deus, um caráter zombeteiro e francamente obsceno -o que perturba sensibilidades mais delicadas. São, até hoje, pouco conhecidos, pouco estudados e pouco traduzidos. "Falo no Jardim", livro de João Ângelo Oliva Neto, nos oferece não só o texto latino completo e traduções impecáveis de todos os poemas da "Priapéia" mas também todos os poemas da chamada "Priapéia Grega" (coletânea dos poemas priapeus gregos que faziam parte da "Antologia Palatina"), também em edição bilíngüe.

Três capítulos iniciais situam e analisam minuciosamente o fenômeno do culto de Priapo no mundo antigo e suas manifestações literárias; os cinco capítulos finais trazem, respectivamente, poemas latinos de autoria conhecida (Catulo, Horácio etc.) cujo tema é Priapo, mas que não faziam parte da "Priapéia" (texto original e tradução); excertos de poemas que, sem ter tema priapeu, mencionam Priapo (texto original e tradução); os poucos poemas priapeus compostos em língua portuguesa; as raras traduções de poemas da "Priapéia" em língua portuguesa anteriores às de Oliva e, por fim, o texto e a tradução de "Er Padre de li Santi", poema priapeu de Belli, escrito em dialeto romanesco no século 19.

Linguagem franca


Fecha o volume um aparato de grande utilidade para o leitor -esquemas métricos, relação dos epítetos de Priapo, glossário, bibliografia e índices. Além disso, o livro traz rico material iconográfico. As seções teóricas, de extremo rigor analítico e sólida fundamentação bibliográfica, são de grande interesse acadêmico para o especialista e, agora mesmo, os leitores desta resenha devem estar pensando: "Ah, mais um livro erudito da academia, destinado a meia dúzia de gatos-pingados da academia...". Nada disso. Oliva tem o raríssimo mérito de, sem abrir mão da profundidade que um estudo crítico do tema requer, ser perfeitamente acessível a qualquer leitor inteligente. Seu texto, escrito em linguagem clara e, eventualmente, bem-humorada, nunca apela para jargões acadêmicos abstrusos.

Ao longo dos séculos, a "Priapéia" e os temas priapeus têm provocado indignação pudibunda entre os tartufos e os ilibados defensores da moral e dos bons costumes, desde os pais da igreja até os editores alemães que censuraram a palavra "Priapia" (entre outras) em diversas edições de "Frühlings Erwachen" [Despertar da Primavera], de Frank Wedekind (1864-1918).

Ainda hoje, muitas traduções de obras clássicas de caráter erótico empregam eufemismos ou termos científicos para traduzir palavras que, em grego ou latim, pertencem ao registro chulo da linguagem. As traduções de Oliva, de grande valor e invenção poética, são rigorosamente fiéis à obscenidade burlesca, à graça provocadora e ao bom humor debochado dos originais. Nelas, a mêntula não é chamada de membro viril ou pipi.

*FLÁVIO RIBEIRO DE OLIVEIRA é professor de língua e literatura gregas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

FALO NO JARDIM - PRIAPÉIA GREGA, PRIAPÉIA LATINA
Organização e tradução: João Angelo Oliva Neto
Editora: Unicamp/Ateliê (tel. 0/ xx/11/4612-9666)
Quanto: R$ 90 (428 págs.)

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João Angelo Oliva Neto

Há muitos tipos de tradutores. Há muitos tipos de escritores. Existem pessoas que fazem da tradução a sua maneira de escrever. Para estas, traduzir é uma maneira legítima de fazer literatura, pois concebem a tradução como algo que contém a escrita em si. Entre os tradutoes literários brasileiros que se debruçam sobre a Antigüidade clássica, João Angelo Oliva Neto destaca-se por apresentar esse tipo de concepção da prática tradutória. Em desacordo com o ideário que subvaloriza a tradução perante outros empreendimentos de um literato, sua trajetória demonstra que traduzindo se pode alcançar um nível de excelência na composição literária.
Oliva Neto iniciou-se no estudo de letras em 1978, quando ingressou no bacharelado de inglês e português, pela USP. Quatro anos após, assim que concluíra esse curso, começou o de latim e grego. Ao final de seu segundo bacharelado, motivado pela grande quantidade de textos latinos em prosa e verso sem tradução em português, lançou-se ao ofício da tradução. Ainda na USP, obteve os títulos de mestre e doutor. Junto à sua dissertação de mestrado, apresentou a tradução de toda a obra poética de Catulo, que intitulou O livro de Catulo. Durante o doutorado, ocupou-se com a tradução de um conjunto de poemas anônimos gregos e latinos, cuja figura central é Priapo, deus fálico, protetor da fecundidade e da fertilidade. Estas duas traduções vieram a ser publicadas e são reconhecidas como seus principais trabalhos. Em 1996, O livro de Catulo recebeu o prêmio de melhor tradução, conferido pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).

A dedicação de João Angelo Oliva Neto à tradução de literatura clássica grega e latina aparentemente deve-se a duas grandes afeições que possui. A primeira - fácil de se inferir - é por essa literatura, inerente ao chamado período clássico. A segunda é pela língua portuguesa e toda a sua literatura. Pelo rigor que se observa em suas traduções, Oliva Neto concebe a transposição da literatura da Antigüidade clássica para a língua portuguesa como um exercício de grande valor artístico. Para ele a literatura traduzida deve ter seu lugar na literatura de uma língua. Sua prática é fundamentada em critérios que transparecem no próprio texto traduzido.

Em paratextos às traduções e em artigos publicados paralelamente, Oliva Neto declara preferência por uma tradução que explicite seus critérios teóricos. Isto é, a tradução deve pressupor e esclarecer os fins que pretende atingir e, portanto, o público que pretende alcançar. Na poesia, ele se preocupa com a métrica original e demais características formais, como as figuras de estilo.

Atualmente, é professor da graduação na área de Língua e Literatura Latina da Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde atua desde 1989. Nessa mesma faculdade, também atua no programa de Pós-graduação em Letras Clássicas. Como tradutor, Oliva Neto almeja colaborar para uma história da tradução poética no Brasil ou ao menos para uma história da tradução de textos clássicos no Brasil. Entre seus projetos está o de traduzir os poemas de Calímaco de Cirene, um poeta grego do século III a.C., por quem nutre grande admiração.

Verbete publicado em 28 de setembro de 2005
por: Luiz Henrique Milani Queriquelli
Mauri Furlan