terça-feira, 3 de julho de 2007

Ovídio por Bocage ganha segunda edição

Ovídio por Bocage
por Paulo Martins
(Texto publicado originariamente na Revista Bravo!, v. 40, p. 102 - 102, 02 jan. 2001.)

Ovídio foi o poeta mais eclético e copioso de Roma. Seu repertório sintetiza largo espectro de gêneros, que passam a ser produzidos a partir do I séc. a. C. com a incursão de novas práticas poéticas, antagônicas às produzidas até então. Esta nova poética, cujas principais características eram a predileção pelo diminuto, pelo detalhe, pela rapidez e pela leveza, contrapunha-se à sisudez de versos civis e vetustos que ocupavam a cena poética até então. Entretanto, a novidade romana não era tão nova, antes se filiava ao alexandrinismo - momento artístico-cultural do mundo helenístico.
Assim, Ovídio deve ser visto como síntese, pois ocupa certa seara poética que já havia sido cultivada por Catulo, Horácio, Virgílio, Propércio e Tibulo, poetas significativos para aquilo que o Mundo Moderno chamou de Antigüidade Clássica e possuidores de importância decisiva na formulação de técnicas prescritivas e de motivos nas artes clássicas dos séculos XVI, XVII e XVIII.
Mais do que outro poeta antigo qualquer, Ovídio serviu de modelo e êmulo para Chaucer, Ben Jonson e Shakespeare, que não satisfeito em tomar motivos ovidianos em seus textos, chega a reproduzir seus versos como é o caso de "At lovers' perjuries/they say Jove laught - Dizem que Jove ri dos perjúrios dos amantes" (Romeu e Julieta, II, 2). A sua influência, contudo, não se restringe às artes verbais. Muito já discutiu sobre sua importância para as artes plásticas do século XVI. Seu texto mais relevante, As Metamorfoses, direta ou indiretamente, foi fonte para Ticiano em Perseu e Andrômeda (Wallace Collection - Londres) e para outras figurações do período.
As Metamorfoses são uma coletânea de relatos mitológicos que, aparentemente, não possuem conexão, a não ser pelo fato de revitalizarem a narrativa mitológica do ponto de vista de um gênero poético-didático. O poema é composto de 15 livros que tratam aproximadamente de 250 lendas etiológicas, mostrando o nascimento de seres e, fundamentalmente, sua transfiguração em outros e daí, justamente, o nome da obra.
Há de ser observado, também, como o mundo moderno se apropriou d'As Metamorfoses, tendo em vista sua circulação, nos meios eruditos e vulgares. Se a alusão já caracteriza certo empenho na divulgação, o que dizer de sua tradução ou de sua adaptação? Pois bem, são incontáveis as alusões e traduções deste texto de Ovídio, que, principalmente, em língua portuguesa permaneceram absolutamente inacessíveis.
Hoje está mais fácil entrar em contato com o Ovídio d'As Metamorfoses, pois uma belíssima edição, ou, pelo menos, parte dela em português, acaba de ser lançada pela jovem editora Hedra, em sua Coleção Tradutores, que procurará divulgar traduções clássicas de textos clássicos. No caso específico, a tradução - excepcional - é assinada por Bocage, que, nesse sentido, justifica sua filiação árcade ao traduzir parte dessa obra. Afinal, muito se fala na recuperação dos motivos clássicos a partir da renascença, mas pouco se mostra empiricamente como isso se efetiva.
O livro, muito bem cuidado, traz o texto original em latim ao final, fato que para os mais preciosistas pode incomodar, pois dificulta a conferência da tradução com o original. Por outro lado, oferece bela introdução acerca da técnica da tradução no século XVIII, feita com esmero e atenção por João Angelo Oliva Neto, professor de Língua e Literatura Latina da USP e conceituado tradutor das letras greco-latinas.

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