domingo, 4 de maio de 2008

Homologia entre a poesia e a pintura - Algumas questões

Desde muito tempo, filosófos e poetas ocupam-se da aproximação entre essas duas artes. Exemplos abumbam:

Simônides de Céos (556-486 a.C.), poeta grego arcaico, segundo Plutarco (45-120 d.C.) teria dito:

  • "a poesia é pintura que fala e a pintura a poesia muda".
Algum tempo depois, Horácio (65 - 8 a.C.) , poeta romano, na sua Epístola aos Pisões (A Arte Poética), formulou:
  • "Como a pintura, a poesia" (Vt pictura poesis)

Entre os filósofos, talvez, Aristóteles (384-322 a.C.) seja aquele que mais incisivamente perseguiu a homologia entre o discurso verbal e visual. Na Arte Poética, temos algumas passagens interessantes:

  • 1448a - "Mas, como os imitadores imitam homens que praticam alguma ação, e estes, necessariamente, são indivíduos de elevada ou de baixa índole (porque a variedade dos caracteres só se encontra nestas diferenças [e, quanto a caráter, todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude), necessaria­mente também sucederá que os poetas imitam homens melhores, piores ou iguais a nós, como o fazem os pinto­res: Polignoto representava os homens superiores; Páuson, inferiores; Dioní­sio representava-os semelhantes a nós. Ora, é claro que cada uma das imitações referidas contém estas mesmas, diferenças, e que cada uma delas há de variar, na imitação de coisas diversas, desta maneira."

ou

  • 1450a - "Sem ação não poderia haver tragédia, mas poderia havê-Ia sem caracteres. As tragédias da maior parte dos modernos não têm caracteres, e, em geral, há muitos poetas desta espé­cie. Também, entre os pintores, assim é Zêuxis comparado com Polignoto, porque Polignoto é excelente pintor de caracteres e a pintura de Zêuxis não apresenta caráter nenhum."

ou

  • 1461b - “Com efeito, na poesia é de preferir o impossível que persuade ao pos­sível que não persuade. Talvez seja impossível existirem homens quais Zêuxis os pintou; esses porém correspondem ao melhor, e o paradigma deve ser superado. E depois, a opinião comum também justifica o irracional, além de que às vezes irracional parece o que o não é, pois verossimilmente acontecem coisas que inverossímeis parecem. Expressões aparentemente contraditórias, importa examiná-las como nas refutações dialéticas; verifi­car se do mesmo se trata, na mesma relação e no mesmo sentido; e analo­gamente, se o poeta cai em contradição com o que ele próprio diz, ou com o que, sobre o que ele diz, pensa uma mente sã.

ou na Política:

  • 1340a - "Contudo, posto que nem todas as pinturas traduzem de igual forma estes aspectos, os jovens devem evitar contemplar as de Páuson, mas não as de Polignoto assim como as dos restantes pintores ou escultores de caráter nobre.

Já Cícero (106-46 a.C.), orador e rétor romano, no início do segundo livro de uma de suas primeiras obras, o tratado Sobre a invenção, compara o seu tratado à pintura de Zêuxis, afirmando:

  • "Como escrevesse uma arte retórica, isto também aconteceu com minha intenção. Não propus um único exemplo do qual, por mim, todas as partes devessem ser extraídas, qualquer que fosse a espécie, quando parecesse que isto fosse necessário. Ao contrário, num único local, de todos escritores reunidos, tomei aquilo que cada um parecesse prescrever vantajosamente. E escolhi de vários engenhos e recolhi as melhores partes. Desses, pois, aqueles que são dignos do nome e da memória, nenhum me parecia dizer tudo de bom nem só coisas excelentes. Pelo que pareceu tolice ou afastar-me de algo bom de alguém que inventa, se por ele fui tocado no seu vício, ou, também, me aproximar do vício de quem fui conduzido por algum bom preceito."

Além da clara possibilidade de podermos aplicar os conceitos teóricos da pintura na poesia e vice-versa, algumas considerações devem ser feitas e pensadas, principalmente, a partir de Aristóteles e Cícero:

  1. Se, segundo o objeto da imitação, existem pintores e poetas que imitam seres superiores, inferiores e iguais a nós, como essa idéia de gêneros elevado, médio e baixo seria aplicada à pintura e à escultura? Como imaginarmos na pintura, algo análogo a um poema épico ou trágico? A uma sátira ou a um iambo? A uma ode ou a um epinício?
  2. O que seria uma tragédia sem caracteres (éthe - personagens) e o que seria homologamente uma pintura sem caracteres?
  3. Por que a pintura de Páuson deve ser evitada pelos jovens e não a de Polignoto? Deveria ser evitada, pois, a comédia e a sátira?
  4. Se Zêuxis pintou seres impossíveis de existir na realidade, ele praticou mimesis? Seria o fato de não existirem que determinaria que ele produzisse pinturas sem caráter, sem éthos?
  5. A poesia engendra, sistematicamente, as phantasiai, disposição anímica que nos faz ver na mente. A pintura de Zeuxis seria o resultado visual das phantasiai, operando o caminho inverso da poesia?
  6. Chamar a pintura de Zêuxis de idealizante seria um equívoco, uma vez que se é pintura deve ser fruída pela visão, não participando, pois, do mundo das idéias, e sim do sensível?

Tais questões em breve serão discutidas com mais atenção em artigo que está em fase de redação.

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