Retrato Fúnebre - Musée du Louvre, Paris (1)
Há uma passagem em Políbio (Livro VI, 53-54) que me parece bem interessante. Ela trata da utilidade, da finalidade de imagines mortuárias romanas. Tais esculturas fúnebres, apoiadas nas informações de Políbio, apontam para duas reflexões interessantes.
Retrato Fúnebre - Musée du Louvre, Paris (2)
A primeira diz respeito a um tipo de escultura romana a que a tradição deu o nome de "retrato realístico" (nome, talvez, algo anacrônico), isto é, retratos em que há uma preocupação com a proximidade com o modelo, mimetizando com todas as (im)perfeições inerentes ao figurado.
A segunda diz respeito à circulação dessas. Se, de um lado, são essencialmente privadas, pois devem ser reverenciadas no âmbito do domus (no columbarium), por outro lado, extrapolam essa privacidade ao serem expostas sistematicamente nos funerais junto aos rostros do fórum por ocasião da morte de um patrício pertencente a um determinada gens.
Essas reflexões nos levam a crer que o direito de imagens (ius imaginum) que, em princípio, era apenas da aristrocacia, vazará às demais classes sociais nos séculos seguintes ao fim da República Romana, como bem demonstram os Retratos de Fayoum.
Retratos de Fayoum: (1) Musée du Louvre; (2) The Getty Museum e (3) Staatliche Museen, Berlim
Columbarium II de Vigna Codini na Via Latina
53. Por ocasião da morte de qualquer homem ilustre ele é levado em seu funeral com toda a pompa até o Fórum, perto dos chamados Rostros, algumas vezes bem à vista em posição vertical, e mais raramente reclinado. Ali, com todo o povo de pé em volta, um filho crescido, se ele deixou algum que esteja presente em Roma, ou se não outro parente, sobe aos Rostros e pronuncia um discurso alusivo às suas qualidades e aos seus sucessos e feitos ao longo da vida. Conseqüentemente toda a multidão, e não apenas quem teve alguma participação nesses feitos, mas também quem não teve, quando os fatos são relembrados e postos diante de seus olhos comove-se e é levada a tal estado e empatia que a perda parece não se limitar somente a quem chora o morto e ser extensiva a todo o povo. Em seguida, após o enterro e a realização das cerimônias usuais, coloca-se uma imagem do defunto no lugar mais visível de sua casa, numa espécie de tabernáculo de madeira. Essa imagem consiste numa máscara reproduzindo com notável fidelidade a tez e as feições do morto. Nos dias de festas religiosas públicas essas imagens são expostas e ornamentadas cuidadosamente, e quando alguma pessoa importante da família morre os parentes as levam para o funeral, conduzidas por homens que pareçam assemelhar-se mais a, cada defunto em estatura e compleição. Esses homens vestem uma toga, com um debrum cor de púrpura se o defunto era cônsul ou pretor, toda de púrpura se ele era censor, e bordada de ouro se ele tivesse recebido as honras do triunfo ou alguma distinção desse gênero. Tais homens são levados num carro precedido por fasces, machados e outras insígnias às quais cada um dos personagens por eles encarnados tinha direito de acordo com a função que exercera em vida; quando eles chegam aos Rostros, sentam-se em cadeiras de marfim enfileiradas. Não seria fácil imaginar um espetáculo mais nobilitante e edificante para um jovem que aspire à fama e à excelência. De fato, quem não se sentiria estimulado pela visão das imagens de homens famosos por suas qualidades excepcionais, todos reunidos como se estivessem vivos e respirando? Poderia haver um espetáculo cívico mais belo que esse?
54. Além disso, o orador incumbido de falar sobre o homem prestes a ser enterrado, após pronunciar-se a respeito do defunto evoca os sucessos e feitos dos outros defuntos cujas imagens também estão presentes, começando pelo mais antigo. Por esse meio, por essa renovação constante das referências às qualidades dos homens ilustres, a fama dos autores de feitos nobilitantes é imortalizada, e ao mesmo tempo o mérito de quem prestou bons serviços à pátria chega ao conhecimento do povo, constituindo um legado para as gerações futuras. O resultado mais importante, porém, é que os jovens são estimulados assim a suportar qualquer provação pelo bem da coletividade, na esperança de obterem a glória que acompanha os homens valorosos. Os fatos confirmam essas minhas palavras. Com efeito, muitos romanos empenharam-se em combate singular para decidir uma batalha, e não poucos enfrentaram a morte certa, uns na guerra, para salvar a vida dos companheiros restantes. e outros na paz para salvar a pátria. Alguns magistrados chegaram ao ponto de, no exercício de suas funções, ordenar a execução de seus próprios filhos sem levar em conta qualquer costume ou lei, pondo assim os interesses do Estado acima dos laços naturais que os vinculam aos parentes mais chegados e queridos. Muitos fatos desse gênero pertinentes a muitos homens são relatados na história de Roma, porém um deles a respeito de uma certa pessoa bastará no momento como exemplo e a título de confirmação de minhas asserções.
(tradução de Mário da Gama Cury)
Um comentário:
muito bacana o blog!
rosana steinke
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