Espaço dedicado às letras e às artes, especialmente e não exclusivamente do mundo greco-romano antigo. Paulo Martins - IAC/PPGLC/USP
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Propércio 2,15 - uma tradução
lectule deliciis facte beate meis!
quam multa apposita narramus verba lucerna,
quantaque sublato lumine rixa fuit!
nam modo nudatis mecum est luctata papillis, -5
interdum tunica duxit operta moram.
illa meos somno lapsos patefecit ocellos
ore suo et dixit 'Sicine, lente, iaces?'
quam vario amplexu mutamus bracchia!quantum
oscula sunt labris nostra morata tuis! -10
non iuvat in caeco Venerem corrumpere motu:
si nescis, oculi sunt in amore duces.
ipse Paris nuda fertur periisse Lacaena,
cum Menelaeo surgeret e thalamo;
nudus et Endymion Phoebi cepisse sororem -15
dicitur et nudae concubuisse deae.
quod si pertendens animo vestita cubaris,
scissa veste meas experiere manus:
quin etiam, si me ulterius provexerit ira,
ostendes matri bracchia laesa tuae. -20
necdum inclinatae prohibent te ludere mammae:
viderit haec, si quam iam peperisse pudet.
dum nos fata sinunt, oculos satiemus amore:
nox tibi longa venit, nec reditura dies.
atque utinam haerentis sic nos vincire catena -25
velles, ut numquam solveret ulla dies!
exemplo iunctae tibi sint in amore columbae,
masculus et totum femina coniugium.
errat, qui finem vesani quaerit amoris:
verus amor nullum novit habere modum. -30
terra prius falso partu deludet arantis,
et citius nigros Sol agitabit equos,
fluminaque ad caput incipient revocare liquores,
aridus et sicco gurgite piscis erit,
quam possim nostros alio transferre dolores: -35
huius ero vivus, mortuus huius ero.
quod mihi secum talis concedere noctes
illa velit, vitae longus et annus erit.
si dabit haec multas, fiam immortalis in illis:
nocte una quivis vel deus esse potest. -40
qualem si cuncti cuperent decurrere vitam
et pressi multo membra iacere mero,
non ferrum crudele ncque esset bellica navis,
nec nostra Actiacum verteret ossa mare,
nec totiens propriis circum oppugnata triumphis -45
lassa foret crinis solere Roma suos.
haec certe merito poterunt laudare minores:
laeserunt nullos pocula nostra deos.
tu modo, dum lucet, fructum ne desere vitae!
omnia si dederis oscula, pauca dabis. -50
ac veluti folia arentis liquere corollas,
quae passim calathis strata natare vides,
sic nobis, qui nunc magnum spiramus amantes,
forsitan includet crastina fata dies.
Ó minha felicidade! Ó minha luminosa noite! E tu, leito que se tornou alegre, com meus prazeres! Como palavra muita falamos à penumbra da lâmpada! Quanta batalha lutou-se, apagadas as luzes! (5) Pois, ora comigo lutou com seios desnudos e, por vezes, a túnica dissimulada fez-se morosa.
Com seus beijos, ela abriu meus olhos cerrados no sono e disse: “é assim que dormes inerte?” Quantos abraços trocamos variados! Quantos (10) beijos meus habitaram teus lábios! Não apraz a Vênus destruir [o ato] com cego movimento: Caso não saibas: os olhos são comandantes no amor.
O próprio Páris, diz-se, ter morrido com a nudez d’Helena quando se levantava do leito de Menelau. (15) Conta-se também que Endímion capturou nu a irmã de Febo e deitou com a deusa nua. Mas, se obstinadamente vestida deitares, sob a veste rota vais sentir minhas mãos: Ainda mais... Se minha fúria impelir-me além, (20) mostrarás os braços maculados a tua mãe.
Teus seios caídos ainda não te impedem de brincar: isso te preocuparás se já tiver vergonha de ter parido. Enquanto os fados me permitirem: saciaremos os olhos de amor: a noite te chegará longa e o dia não há de retornar.(25) Queira que desejes que estejamos nós assim tão liados com laços duradouros que dia nenhum os dissolva.
Que as pombas unidas te sirvam de exemplo no amor , macho e fêmea em total união.
Erra quem procura o fim de um louco amor: (30) O verdadeiro amor não conhece limite algum, antes a terra enganará com falso pomo os lavradores e o sol fará avançar mais rápido os negros cavalos e os rios começarão a retroceder à nascente e os peixes secos estarão em árido sorvedouro , (35) Antes que eu possa transferir meus amores a outro amor. Dela vivo serei; morto dela serei.
Se ela desejar me conceder com ela noites tais, longo me será um ano de vida; se ela me der muitas, vou me tornar imortal nelas: (40) Numa noite qualquer um pode ser deus. Se todos desejassem levar tal vida e descansar seus corpos tomados de muito vinho, não haveria a espada cruel tampouco naus bélicas, nem o mar de Ácio revolveria nossos despojos, (45) nem, tanta vez, em meio a ataques, com tantos triunfos, Roma estaria cansada de soltar os cabelos.
Com mérito certo, os jovens poderão louvar esses feitos: Nossas taças nunca afrontaram deus nenhum. Tu, por tua vez, enquanto é dia, não abandones os prazeres da vida!(50) Ainda que dês todos os beijos, poucos haverás dado. Pois, como folhas extinguem grinaldas ressequidas, e as vês nadar espalhadas nas taças aqui e acolá, assim a nós, que agora amantes, aspiramos a grande amor, talvez o dia de amanhã encerre nossos fados.
domingo, 26 de outubro de 2008
Biografias Antigas – Plutarco e Suetônio
Tácito – A vida de Agrícola, 2.
Vitae illustrium virorum. Rome, printed by Ulrich Han (Udalricus Gallus), 1470 - Collection: University of Leeds Library
Sob o ponto de vista de sua constituição, é possível dizer que as biografias, ao contrário da analística (outro subgênero historiográfico) que se ocupa da narração dos fatos tendo em vista o encadeamento cronológico ou causal dos episódios, elas se detêm na efetivação de um retrato verbal, isto é, na construção de uma imagem que passa por categorias aristotélicas do discurso demonstrativo que prevê o louvor ou o vitupério das coisas da alma, das coisas do corpo e das coisas externas. Assim são figuradas nas biografias tais categorias assim dispostas pelo primeiro tratado de retórica romana de que se tem notícia, a Retórica a Herênio, livro III, 6, 10:
Suetônio
Sejam esses registros história ou ficção, certo é que antes de tudo registram a maneira de ser dos homens ilustres da Antigüidade Clássica. E se essa foi modelo de algo no mundo ocidental, isso não independe dos agentes, dos construtores dessa cultura. Portanto, fato ou ficção, isso pouco importa.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Novo Sítio de Letras Clássicas
O Endereço é: www.fflch.usp.br/dlcv/lc
Vale ser visitado!
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Ausônio
Tradução de Paulo Martins
XCVI [DE HERMIONES ZONA]
Rubra faixa libertava bicos túrgidos
d'Hermíone: texto havia, era elegíaco:
"Tu que lês a inscrição, Páfia ordena que me ames
e com teu exemplo não vetes ninguém d'amar"
Punica turgentes redimibat zona papillas
Hermiones: zonae textum elegeon erat:
"Qui legis hunc titulum, Paphie tibi mandat, ames me
exemploque tuo neminem amare vetes.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
História e Letras – Verdade e Verossimilhança
Hoje em dia, quando falamos em História ou em Literatura pensamos em disciplinas estanques, separadas. A primeira se ocupa da Verdade e é científica; a segunda é ficção e se ocupa do prazer estético, da fruição. Contudo, nem sempre a distinção entre as duas existiu, pois entre os gregos e romanos da Antigüidade, a História era considerada gênero literário como o teatro, a poesia épica e lírica e como tal deveria ser tratada, não se excluindo, porém, suas características diferenciadas que a associam com eventos ocorridos, com a narração, com o conhecimento do mundo e dos homens que nele se encontram.
Aristóteles - Musée du Louvre
Aristóteles, filósofo, cuja obra é caracterizada pelo largo espectro de observação do mundo, em seu texto sobre a poesia, a Arte Poética, no capítulo IX, propõe certa reflexão entre as duas, ao afirmar que: “não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (pois que poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser história, se fossem em verso o que eram em prosa) ─ diferem, sim, em que um diz as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a poesia é algo mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere-se aquela principalmente o universal, e esta o particular.” (Aristóteles – Arte Poética. São Paulo, Ed. Abril. 1971. p. 451. Trad.: Eudoro de Souza)
Hayden White (1928) - Professor Emérito da Universidade da Califórnia
Sob um aspecto formal, podemos partir de outro princípio que norteia a produção histórica e a literária: o texto. E, dentro desta chave, o historiador contemporâneo Hayden White propõe: “Há, porém, um problema que nem os filósofos nem os historiadores encararam com muita seriedade e ao qual os teóricos da literatura só têm concedido uma atenção momentânea. Essa questão diz respeito ao status da narrativa histórica, considerada exclusivamente como um artefato verbal que pretende ser um modelo de estruturas e processos há muito decorridos e, portanto, não-sujeitos a controles experimentais ou observacionais. Isso não quer dizer que historiadores e filósofos da história não observaram a natureza essencialmente provisória e contingente das representações históricas e sua suscetibilidade a uma revisão infinita dos problemas à luz de novos testemunhos ou de uma conceituação mais elaborada.” (White, H. – Trópicos do discurso. São Paulo, Edusp. 1994. pp.98-9.)
Heródoto de Halicarnasso - c.485-420 a.C.
Heródoto de chofre aponta seu objetivo de escrita “para que a memória não se apague com o passar do tempo, e para que os feitos (...) não deixem de ser lembrados”. Tal asserção deve ser observada sobre dois pontos de vista: o primeiro diz respeito à própria constituição do discurso que pressupõe função objetiva, isto é, seu “estado da questão”, pressuposto retórico do proemium. O segundo, por sua vez, diz respeito à recepção do texto no viés da narrativa helênica cuja origem é essencialmente épica, afinal há que se observar a indicação de termos que se filiam à tradição homérica: “memória”, “passar do tempo”, “feitos maravilhosos e admiráveis”, “ser lembrados”. Mais adiante, Heródoto aponta o foco particular de sua narrativa ao propor: “Quanto a mim, não direi a respeito dessas coisas que elas aconteceram de uma maneira ou de outra, mas apontarei a pessoa que, em minha opinião, foi a primeira”. Sua História, portanto, apesar de dar atenção a dois lados do evento, não exclui em hipótese alguma a “minha opinião”, o que em certa medida obtura a possibilidade da Verdade-geral e faz com que a narrativa granjeie contornos de um verossímil-particular a partir do “sujeito” que o enuncia.
Michel De Certeau: 1925-1986
Entretanto, mesmo tendo em mãos esses dois aparatos essenciais à compreensão dos textos da Antigüidade Clássica, a saber: uma Retórica e certa Metodologia, a historiografia antiga estaria sub iudice no que se refere à Verdade, pois que ela, a História, ainda seria tutelada pelo prisma, pelo foco ou pelo enfoque de um morto, de um ausente ou, simplesmente, de uma ruína que é o próprio texto, seu suporte. Michel De Certeau bem afirmou: “Esta é a história. Um jogo da vida e da morte prossegue no clamo desdobramento de um relato, ressurgência e denegação da origem, desvelamento de um passado morto e resultado de uma prática presente. Ela reitera um regime diferente, os mitos que se constroem sobre o assassinato ou uma morte originária, e que fazem da linguagem o vestígio sempre remanescente de um começo tão impossível de reencontrar quanto de esquecer.” (De Certeau, Michel – A Escrita da História. RJ: Forense. 1982. p.57.)
III SIMPÓSIO DE ESTUDOS CLÁSSICOS DA USP
PERÍODO DO CURSO:
de 29, 30 e 31 de outubro de 2008
às quarta, quinta e sexta-feira: 9 às 17h
PÚBLICO-ALVO:
Pesquisadores, docentes, graduandos, pós-graduandos e interessados em Estudos Clássicos.
VAGAS:
100
MATRÍCULA
PERÍODO: a partir de 29.09.2008, enquanto houver vaga.
VALOR: R$ 10,00
OBSERVAÇÃO:
1. Matrícula somente pela Internet;
2. O pagamento será mediante boleto bancário encaminhado via e-mail, no prazo de 24 horas.
OUTRAS INFORMAÇÕES
PROGRAMA E MINISTRANTE:
29 de outubro
Tendências filosóficas "menores"
9h – 9h40: Prof. Dr. Roberto Bolzani Filho (USP)
9h40 – 10h20: Prof. Dr. Olimar Flores Júnior (UFMG)
10h20 – 10h40: intervalo
10h40 – 11h20: Prof. Dr. Luis Felipe Bellintani Ribeiro (UFSC)
11h20 – 12h: debate
O romance antigo
14 - 14h40: Prof. Dr. Jacyntho Lins Brandão (UFMG)
14h40 - 15h20: Prof. Dr. Pedro Ipiranga Júnior (UFPR)
15h20 – 15h40: intervalo
15h40 – 16h20: Prof. Dr. Cláudio Aquati (UNESP)
16h20 – 12h: debate
30 de outubro
Gêneros dramáticos: drama satírico e mimo
9h - 9h40: Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti (UNESP)
9h40 – 10h20: Profa. Dra. Claudia Fernandez (UNLP – Argentina)
10h20 – 10h40: Intervalo
10h40 – 11h20: Profa. Dra. Tereza Virginia Ribeiro Barbosa (UFMG)
11h20 – 12h: debate
14h – 17h: Encontro com os participantes para discussão de pesquisas
em andamento na área de Estudos Clássicos
31 de outubro
A cidade antiga: arqueologia e história
9h - 9h40: Prof. Dr. Luis Otávio de Magalhães (UESB)
9h40 – 10h20: Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano (USP)
10h20 – 10h40: Intervalo
10h40 – 11h20: Prof. Dr. Norberto Luiz Guarinello (USP)
11h20 – 12h: debate
Tradução
14h - 14h40: Prof. Dr. José Antônio Alves Torrano (USP)
14h40 – 15h20: Prof. Dr. André Malta Campos (USP)
15h20 – 15h40: Intervalo
15h40 – 16h20: Prof. Dr. Joaquim Brasil Fontes (UNICAMP)
16h20 – 17h: debate
OBJETIVO:
COORDENADORES:
MINISTRANTE: Alexandre Antoniazzi Franco de Souza (pós-graduando da área de língua e literatura italiana da FFLCH) e Roberta Ferroni (mestre pela área de língua e literatura italiana da FFLCH) .
PROMOÇÃO: Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, FFLCH/USP.
CERTIFICADO: Para fazer jus ao certificado o participante precisa ter
100% de presença.
LOCAL DO CURSO: Prédio de Ciências Sociais - Av. Prof. Luciano
Gualberto, 315 - sala 08.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Propércio 1, 12 - Uma Tradução
Por que não paras de me imputar a calúnia da preguiça
Por que Roma, minha cúmplice, me retém?
Ela está a quilômetros longe de meu leito
Como está Hípanis (1) do vêneto Erídano (2)
Cíntia não me nutre amor com abraços de sempre
Nem me fala, doce, ao ouvido.
Outrora eu lhe era grato: naquele tempo, ninguém
teve a sorte de poder amá-la com igual fidelidade.
Fomos motivo de inveja! Um deus me oprimiu ou uma erva
colhida nos montes de Prometeu (3) nos separou?
Não sou o que fora: um longo caminho muda as meninas.
Hoje sozinho sou obrigado, antes, a conhecer
longas noites e a ser funesto aos meus próprios ouvidos!
Feliz aquele que pôde chorar com a menina presente;
o Amor em nada se alegra com lágrimas caídas
ou, se desprezado, pôde mudar as paixões,
Elas também são alegrias, mudado o jugo.
Mas nem fas amar outra nem desejar desistir desta:
Cíntia foi a primeira e o termo será Cíntia.
I, XII
Quid mihi desidiae non cessas fingere crimen,
quod faciat nobis Cynthia, Roma, moram?
tam multa illa meo divisast milia lecto,
quantum Hypanis Veneto dissidet Eridano;
nec mihi consuetos amplexu nutrit amores
Cynthia, nec nostra dulcis in aure sonat.
olim gratus eram: non ullo tempore cuiquam
contigit ut (4) simili posset amare fide.
invidiae fuimus: num me deus obruit? an quae
lecta Prometheis dividit herba iugis?
non sum ego qui fueram: mutat via longa puellas.
quantus in exiguo tempore fugit amor!
nunc primum longas solus cognoscere noctes
cogor et ipse meis auribus esse gravis.
felix, qui potuit praesenti flere puellae
(non nihil aspersus gaudet Amor lacrimis),
aut, si despectus, potuit mutare calores
(sunt quoque translato gaudia servitio).
mi neque amare aliam neque ab hac desistere fas est:
Cynthia prima fuit, Cynthia finis erit.
Notas:
(1 )Rio que deságua no Mar Negro na Samartia.
(2) Rio Pó.
(3) O Cáucaso na Cólquida. Cf. elegias i, 1, 24 e i, 5, 6.
(4) contingo + ut = acontece que, ter a sorte de.