quarta-feira, 26 de março de 2008

Três Tragédias Gregas


ALMEIDA, GUILHERME DE E VIEIRA, TRAJANO - Três Tragédias Gregas. São Paulo: Perspectiva. 1997. 310p.



Paulo Martins




Três tragédias gregas, livro elaborado por Trajano Vieira, professor de Língua e Literatura Grega da Unicamp, pode ser elencado no rol de raridades de qualquer biblioteca. O qualificativo não provém de um ineditismo ou qualquer outro valor atribuído costumeiramente às obras raras. Antes, advém de um audacioso projeto cuja linha mestra reside no conceito do que venha a ser uma tradução poética.
Contudo, valores mais comuns também podem ser depreendidos dessa obra, que zelosamente é publicada pela Editora Perspectiva dentro da Coleção Signos, que tantas contribuições e gratas surpresas já proporcionou ao mundo das letras no Brasil.
O primeiro deles é a possibilidade de termos contato com 3 tragédias gregas de dois expoentes do gênero: Sófocles (496-406 a.C.) e Ésquilo (525-426 a.C.). O segundo, seguramente, está centrado na divulgação de traduções inéditas e poéticas, extremamente competentes, de Trajano Vieira para obras dos dois tragediógrafos, precedidas de cuidadosos ensaios introdutórios. Em terceiro, o acesso a inéditos de estudiosos das letras helênicas do século passado, em forma de tradução. E, por último, a revisão daquela que para muitos é a melhor tradução poética de Sófocles em língua materna: Antígone de Guilherme de Almeida, poeta modernista cuja verve no mundo da tradução é reconhecida por seu trabalho em As Flores do Mal de Charles Baudelaire.
Além disso, o livro Três Tragédias Gregas nos põe em contato com um belíssimo ensaio de Haroldo de Campos acerca das traduções do Prometeu de Ésquilo no XIX, afora uma tradução de sua lavra da Antígone de Hölderlin (Ato I, cena I).
Dessa forma, é composto dialogicamente por textos de tradução poética, sem os excessos de blá, blá, blá teórico que, muita vez, subverte a importância da poesia, ao deslocar o eixo da leitura do objeto para o sujeito, ou seja, não se dá mais importância ao texto crítico do que ao texto que o gerou. Assim, seqüencialmente os textos poéticos são apresentados e, a partir daí, o leitor atento pode se ater naquilo que há de semelhante e dissemelhante entre as diversas traduções de gerações diversas.
Talvez, a única falha editorial dessa obra esteja numa certa dissimetria editorial, que soa esquisito, pois é oferecido o contato com o texto original em grego em apenas uma das tragédias — Antígone. Se fosse sanada esta questão, o livro contribuiria ainda mais para o mercado editorial de Letras Clássicas.
Quanto às tragédias em si, imergem o leitor em dois estilos diferentes, porquanto Sófocles diverge muito de Ésquilo, não só quanto à complexidade como, também, quanto à forma de desenvolver a ação trágica e a construção de personagens e coros. Observará que em Ésquilo há uma maior importância do coro que dialoga de forma mais lírica e incisiva, além de submeter a vontade dos homens à dos deuses. Sófocles, por sua vez, um inovador segundo a concepção aristotélica da tragédia, concede uma maior importância às ações humanas, suas personagens são fundamentais ao desenvolvimento da ação.
Sófocles mostra as pessoas como elas deveriam ser, não obstante seus personagens estarem sujeitos a falhas humanas, são realmente heróis, afetados, pois, por motivos elevados. Não é de outra forma, por exemplo, que Antígone desafia nobremente o poder de Créon, ao não deixar seu irmão, Polinices, insepulto; desencadeando conseqüências trágicas fabulosas como sua própria morte, a morte do filho de Créon e o suicídio de Eurídice, esposa de Créon. Vale lembrar que esta ação se desenrola a partir da saga do genos de Édipo, uma vez que Polinices é um dos seus filhos amaldiçoados por ele, Édipo.
Ajáx, protagonista da tragédia homônima, é um excelente representante da arrogância humana (hýbris), pois inconformado de as armas de Aquiles terem sido dadas a outro (Odisseu/Ulisses), mata-se após recuperar-se de seu estado de demência com sua própria espada. Por conta de seus atos é condenado por Menelau e Agamemnon a permanecer insepulto. Contudo, num gesto de grandeza de alma, Odisseu os dissuade desta pena imposta àquele, constituindo-se assim o caráter típico do herói sofocliano.
Por sua vez, Ésquilo é, sem sombra de dúvidas, mais lírico que Sófocles, contudo isto não significa que seja melhor ou menor. Pode-se dizer, efetivamente, que são diferentes. Há que se pensar, sim, que suas tragédias possuem um viés religioso mais vigoroso. Suas personagens, afinal, estão submetidas às vontades divinas. Por conta de seu lirismo exacerbado, por vezes, foi tido como grandiloqüente — Quintiliano o considera por vezes canhestro —, principalmente, se comparado aos seus sucessores conhecidos (Sófocles e Eurípides). Suas tragédias constróem idéias edificantes acerca da fatalidade que é condicionada pelas vontades divinas e pelas paixões humanas.
O Prometeu acorrentado ou prisioneiro ou encadeado — variações possíveis para o título original — insere-se nesta característica da tragédia de Ésquilo. O titã Prometeu, que fora auxiliar de Zeus na imposição de seu poder sobre Cronos nas origens dos tempos (arché), constituí-se, como afirma Paul Harvey, no paladino da humanidade, por conta da defesa intransigente das carências e necessidades humanas, contrariando as vontades do poder supremo. Nesse sentido, é-lhe imposta por Zeus uma pena de prisão da qual só sairá após trinta mil anos.
A partir desses mananciais mítico-literários, que são inesgotáveis, Três Tragédias Gregas servem de palco para a proposição transcriativa ou recriativa de Guilherme de Almeida e de Trajano Vieira e, nesse ponto, atingimos o fulcro central da obra, porquanto as transcriações são o objeto dialógico sobre o qual o leitor deve se ater com mais vagar.
Ambos, cada qual a seu modo, não cedem a soluções simplistas e rápidas, tão comuns hoje em dia. Manejam o verso com a presteza necessária à empreitada a que se propuseram — oferecer ao leitor brasileiro tradução digna. Descartam soluções escolares ou tentativas humildes de um simples resgate cadencial. Interferem, assolam, debulham, esmerilham, burilam o verso de sorte a retirar dos mesmos efeitos sonoros, rítmicos, metafóricos, alegóricos propostos no original. Contudo, adaptados às necessidades vernaculares.
Nesse sentido, estabelecem um ambiente agonístico com os gregos antigos, tornam-se seus êmulos ao mesmo tempo em que os respeitam. O universo da tradução, enfim, foi representado nesta obra rara de brilho singular, mostrando aos incautos o quão difícil é a vida do (bom) tradutor.

Um comentário:

josaphat disse...

Professor, colega, sou estudante de grego clássico aqui em Belo Horizonte. Sou professor de artes também. Recentemente adquiri a tradução da Antígone, feita pelo Guilherme de Almeida, e fiquei impressionado com a beleza do texto em português, com o ritmo, com a cadência dos versos que se vão desenrolando.
Trata-se de uma impressão, que me parece, feita para que o espectador possa acompanhar uma apresentação teatral. Achei-a em um sebo virtual.
De vez em quando passo por aqui, mas acho que é a primeira vez que deixo um comentário.
Parabéns, gosto do blog!